Paraíba

RESENHA

Uma nota sobre "Judas e o Messias Negro"

"O projeto dos Panteras Negras ainda tem fôlego histórico. Não era uma quimera ou uma utopia qualquer e passageira"

Brasil de Fato | João Pessoa - PB |
Reprodução - Card

“Judas e o Messias Negro” é um filme extraordinário e fora da caixa de um modelo de cinema em dias atuais. Trazendo o talentoso diretor Shaka King como o condutor de uma interessante visão acerca de um importante líder da causa negra nos Estados Unidos. 

O filme nos mostra que o partido dos “Panteras Negras” foi um dos mais expressivos expoentes da luta afro-americana, marcado principalmente por seu ideal norteador de autodefesa armada e perspectiva revolucionária. 

Criado pelos universitários Huey P. Newton e Bobby Seale – figura de destaque na produção “Os 7 de Chicago”, o movimento ganhou especial apelo em sua secção em Illinois, onde se viu liderado pelo carismático e corajoso ativista Fred Hampton (o ótimo Daniel Kaluuya). Defensor de uma forte aliança entre diversos grupos defensores dos direitos civis, Hampton deixou um forte legado, preservado nos inúmeros cidadãos que se viram inspirados por suas ações revolucionárias.

Destaco dois temas que me chamaram a atenção no filme: Primeiro, a intensa brutalidade policial que se instaurou em solo norte-americano na década de 60 por governos de direita e seus aparatos repressivos, como FBI e seu diretor diabólico e anticomunista delirante. O filme tem lado: o dos oprimidos e a sua luta. Não é mais segredo que o projeto dos Panteras Negras não teve seu esgotamento histórico, mas que foi uma trama do FBI para eliminá-los. A farsa da democracia dos EUA não suportaria um movimento revolucionário que crescia a olhos vistos. Essa narrativa, entretanto, não é apenas dele, mas também do infiltrado do FBI que conseguiu se passar por um de seus braços direitos, Bill O’Neal, personagem complexo e baseado em fatos reais. Dividindo o protagonismo com Hampton, a personagem do talentoso LaKeith Stainfield desperta assim interessantes questionamentos sobre os conflitos internos do homem, dividido entre a sua salvação pessoal e o choque com seus irmãos de luta. Criado pelos universitários Huey P. Newton e Bobby Seale – figura de destaque na produção “Os 7 de Chicago”, o movimento ganhou especial apelo em sua secção em Illinois, onde se viu liderado pelo carismático e corajoso ativista Fred Hampton (o ótimo Daniel Kaluuya). Defensor de uma forte aliança entre diversos grupos defensores dos direitos civis, Hampton deixou um forte legado, preservado nos inúmeros cidadãos que se viram inspirados por suas ações revolucionárias. 

Tem-se aí o primeiro diferencial da visão de Shaka: o desenvolvimento de uma trama sobre preconceitos que vai além de uma mera divisão maniqueísta e propõe a construção de uma complexa figura central. O "Judas" do filme não pode ser tratado apenas como um "Judas" da tradição cristã. Insisto: é mais complexo e mais colado à vida. O racismo é sempre mais terrível do que imaginamos e só uma pessoa negra sabe, em última instância, o que é racismo e como ele pode levar um negro ou uma negra a fazer o que faz. O filme não barateia essa existencial situação.

Segundo, uma personagem feminina chama a atenção desde sua primeira fala: Deborah Johnson (Dominique Fishback). Ela representa uma espécie de contraponto a uma possível "desumanização pela violência" (como assim pensa o FBI) que prega, tendo assim seu lado mais doce revelado pelo afeto que desenvolve e ao mesmo tempo a postura revolucionária corajosa que vive na pele. Temos aqui o grande sonho de F. Fanon: violência do oprimido e poesia…

O filme nos faz ver uma coisa fundamental: o projeto dos Panteras Negras ainda tem fôlego histórico. Não era uma quimera ou uma utopia qualquer e passageira. Vemos um cotidiano de formação política, de assistência aos pobres negros marginalizados e de horizonte de luta e esperança que tem futuro. A visão do intelectual orgânico é singular no filme. O Hampton é liderança corajosa e que sabe da importância da atividade intelectual vinculada a uma luta concreta. 

Não se trata de produção teórica de meios acadêmicos egocêntricos ou de partidos esterilizados em suas burocracias inúteis. Aqui, a vida intelectual é viva e produtiva e reparemos bem: só esse tipo de intelectual incomoda o sistema e atrai para si o ódio de classe arraigada nas instâncias do estado e suas milícias. A formação sistemática dos Panteras Negras era para a luta real e concreta e não para produzir celebridades midiáticas. Atentemos!!!


Internet / Foto

*Romero Venâncio é professor no Departamento de Filosofia - UFS

 

Edição: Cida Alves