Minas Gerais

EDUCAÇÃO

Sindicatos e entidades estudantis protocolam carta contra retorno às aulas em BH

Audiência Pública na Câmara de Vereadores aconteceu na quinta (18), mas entidades não puderam participar

Belo Horizonte | Brasil de Fato MG |
Foto de setembro de 2020, crianças de Nova York tendo aulas presenciais - Foto: Michael Appleton / Mayoral Photography Office

Aconteceu nessa quinta-feira (18), a partir das 13h, uma Audiência Pública na Câmara Municipal de Belo Horizonte para discutir a possibilidade de volta às aulas presenciais. Entidades estudantis e sindicatos não foram permitidos a participar, mas levaram aos vereadores uma carta com os motivos contra o retorno presencial das aulas e um projeto de nove pontos de como melhorar o ensino que já foi ministrado em 2020.

O documento é assinado por 23 entidades estudantis e sindicatos, que representam estudantes de Minas Gerais e de Belo Horizonte, assim como sindicatos dos professores da rede pública e privada. As colocações, como reforçam no documento, é endereçada também às escolas particulares.

Argumentos contra a volta às aulas

Dentre os motivos apresentados contra a volta às aulas, a carta lembra que a “nova onda de casos que surge em janeiro está longe de ser controlada”, e ainda argumenta que estudos mostram o aumento da contaminação, internação e morte de crianças e adolescentes nos estados em que as aulas presenciais retornaram durante a pandemia.

Para os signatários, as escolas não devem ser comparadas à abertura do comércio, visto que ambos têm um funcionamento bem diferente. Neste ponto, o documento dá detalhes de porque não é possível garantir que as crianças e adolescentes cumpram os protocolos de segurança.

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Segundo as entidades, as escolas não têm espaço para garantir o distanciamento social. Não há trabalhadores suficientes para atender grupos menores de alunos. Não há nenhuma garantia de que vai haver higienização de tudo e para todos, desdobrando disso a possível falta de máscaras, álcool em gel, limpeza dos banheiros e salas a cada troca de grupo e a falta de higienização de aventais. Além disso, questionam, a dificuldade com a higienização da roupa das crianças.

“Não negamos os problemas gerados pelo fechamento das escolas. Muito pelo contrário, temos muita convicção da importância da educação”, diz a carta. Porém, “reabrir as escolas com um funcionamento precário, inseguro e cercado de medo não irá minimizar estes problemas”, finalizam.

Propostas

As sugestões incluem algumas medidas que parecem óbvias, mas não são, como por exemplo o uso do telefone como meio de acompanhamento de crianças e adolescentes. Caso o estudante não esteja sendo acompanhado, o documento defende que é papel do governo de Minas e das prefeituras fazerem uma rede de busca, com cruzamento de dados da saúde e de programas sociais, para encontra-los e providenciar as soluções.

As propostas incluem também o que os governos precisam garantir às famílias para que a criança tenha condição, em sua própria casa, de se dedicar às aulas e atividades educacionais. Neste sentido, as entidades afirmam que o acesso à internet, à alimentação e à moradia são alguns dos mais básicos.

Destino

A carta é endereçada ao governador de Minas Gerais, Romeu Zema (NOVO), à Secretária de Educação do Estado de Minas Gerais, ao presidente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, ao prefeito de Belo Horizonte, à secretária municipal de educação, ao presidente da Câmara Municipal de Belo Horizonte, ao Comitê de Enfrentamento à Epidemia da covid-19 em Belo Horizonte, ao Sindicato dos Médicos de Minas (SinMed/MG) e ao Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG).

Leia a íntegra abaixo:

Fórum de Entidades Educacionais, Belo Horizonte, 15 de fevereiro de 2021.

Ponderações a respeito da reabertura presencial das escolas durante a pandemia do covid 19

Assinam 23 entidades estudantis e sindicais.

Ao Excelentíssimo Governador do Estado de Minas Gerais senhor Romeu Zema Neto, Excelentíssima Secretária de Educação do Estado de Minas Gerais senhora Julia Figueiredo Goytacaz Sant'Anna, Excelentíssimo Senhor Presidente da Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais Deputado Agostinho Patrus, Excelentíssimo Prefeito Municipal de Belo Horizonte Senhor Alexandre Kalil, Excelentíssima Secretária Municipal de Educação professora Ângela Dalben, Excelentíssima Presidente da Câmara Municipal de Belo Horizonte Vereadora Nely Aquino, Comitê de Enfrentamento à Epidemia da Covid-19 em Belo Horizonte, Sindicato dos Médicos de Minas (SinMed/MG) e Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG)

Caros Srs(as),

Nós do Fórum das Entidades Educacionais, composto por 23 entidades ligadas à Educação no Estado de Minas Gerais, elaboramos um dossiê levantando todas as razões que nos levam a afirmar que a reabertura das escolas no cenário atual, e mesmo em março, é absolutamente descabida.

1. A nova onda de casos que surge em janeiro está longe de ser controlada, a melhora dos indicadores em relação ao pico assustador de janeiro não representa nem de longe, controle da pandemia.

2. Não vamos discutir aqui porque bares, shoppings e academias podem estar abertos e escolas não. Não conhecemos a fundo a dinâmica destes locais, na verdade nosso entendimento é que estes também não deveriam estar abertos. Mas lembramos que as escolas não são espaços opcionais.

3. As alegações de que o custo benefício das escolas abertas é maior que com elas fechadas não se sustentam. No final deste documento anexamos estudos e reportagens que mostram o aumento da contaminação, internação e morte de crianças e adolescentes.

4. Não é possível garantir os protocolos de segurança nas instituições de ensino com crianças e adolescentes, sejam elas instituições públicas ou privadas. Abaixo enumeramos as razões pelas quais não será possível garantir os protocolos com uma eficácia razoável.

4. A) Não existe estrutura física construída para manter o distanciamento entre os estudantes dentro de salas de aula e não existem estruturas ao ar livre adequadas para o atendimento aos estudantes. As adaptações realizadas nas escolas não garantem estas estruturas pois não há espaço físico para elas. Os problemas com a ventilação das salas também precisam ser observados com cautela, já que o uso de ventiladores também tem o seu uso restrito de acordo com os protocolos.

4. B) Não há meios de garantir que crianças e adolescentes seguirão os protocolos de biossegurança de forma medianamente aceitável.

4. C) Não há nenhuma garantia de que as instituições públicas e privadas irão garantir material de limpeza para higienização adequada dos espaços; tão pouco máscaras adequadas e em quantidade ideal para trocas e substituições dentro dos protocolos estabelecidos pelas autoridades médicas para todos os trabalhadores e estudantes; não existe nenhuma previsão de higienização das roupas dos estudantes (todos os protocolos partem do pressuposto de que a família irá realizar essa higienização, mas é impossível contar com isso).

4. D) Não existe, nas estruturas educacionais hoje, um número adequado de trabalhadores para garantir atendimento a pequenos grupos. Isso vale para os professores e todos os demais trabalhadores em educação. Lembramos que o ensino híbrido representa uma combinação entre o atendimento presencial e virtual. Portanto, é preciso garantir ao professor o tempo necessário aos dois trabalhos, pois os dois exigem grupos menores de acompanhamento para cada profissional. O processo de higienização precisa ser feito com intervalos curtos, pelo menos nos banheiros, pias e espaços abertos que serão usados por mais de um agrupamento no mesmo dia. Os estudantes precisam ser observados de perto e em tempo integral para não tirarem a máscara, não terem contato físico, aqueles que manifestarem sintomas gripais precisarão ficar em espaços separados e com a presença de um profissional até que os responsáveis venham buscá-los. Os estudantes terão que ser acompanhados a cada movimentação, como idas ao banheiro, entrada e saída da sala, etc. No caso das crianças menores, em que o contato mais próximo se faz necessário, a cada novo contato com o trabalhador será necessária higienização e a troca do avental;

4. E) Já é reconhecido que não será possível o atendimento das crianças todos os dias da semana. Para garantir segurança mínima (considerando que o mínimo seja aceitável, e essa não é nossa opinião), cada criança e/ou adolescente iria na escola 1 ou 2 vezes por semana. No atual contexto da pandemia, sem vacinação, não é preferível alguns dias do que nenhum. Em um contexto de afastamento social, alguns dias de atividade presencial por semana resolvem pouco ou quase nada a situação de socialização; não resolvem a questão do cuidado e avançam muito pouco no desenvolvimento cognitivo escolar. Além disso, as atividades espaçadas criariam um problema a mais, pois as crianças ficariam poucos dias e poucas horas na escola e os responsáveis teriam que garantir o deslocamento para levá-las e buscá-las sem uma rotina pré-determinada. Para as crianças pequenas, esse processo de adaptação é quase impossível.

4. F) A reabertura das escolas coloca em contato microcomunidades que estão medianamente isoladas. As crianças nas periferias de fato se socializam, mas com outras crianças da mesma família, rua ou quarteirão. Ao levar crianças e adolescentes para dentro das escolas, onde o contato é muito próximo e prolongado, várias microcomunidades serão colocadas em contato.

5. Lembramos que estes problemas não são exclusividade das instituições escolares públicas. Instituições privadas também podem ser um foco de contaminação para os alunos, professores, pais e funcionários.

6. O retorno às aulas vai ocasionar um aumento substancial de utilização do transporte público, aumentando a lotação dos ônibus, o que pode aumentar a contaminação.

7. A reabertura das escolas também significa o aumento da circulação dos prestadores de serviços, trabalhadores dos transportes escolares, dentre outras pessoas que serão expostas a um ambiente com mais pessoas e poderão expor também os trabalhadores e estudantes das escolas.

8. As escolas municipais de Belo Horizonte passam por reformas, que embora não façam grandes mudanças estruturais, envolvem trabalhadores da construção civil, mais restrição de espaço, poeira etc. Em alguns casos as reformas sequer foram iniciadas.

9. Cabe destacar que, por ser ainda uma doença pouco conhecida, as consequências e efeitos a médio e longo na saúde de pessoas recuperadas que tiveram casos graves, médios e até mesmo leves, ainda necessita de estudos. Há dados que mostram casos de pessoas que desenvolvem doenças respiratórias crônicas após se recuperar da Covid-19. Essa questão se assevera no caso de crianças, uma vez que estão em desenvolvimento físico inicial, potencializando sequelas que podem ser levadas por toda a vida.

Não negamos os problemas gerados pelo fechamento das escolas. Muito pelo contrário, temos muita convicção da importância da Educação e dos danos causados pela ausência do atendimento presencial ao conjunto da sociedade, bem como pelos constantes ataques que o setor sofre com cortes de investimento e pouca valorização por parte dos governantes. Esperamos que todos os setores que hoje gritam pela reabertura das escolas em plena pandemia sejam aliados caso ocorram cortes de investimentos na Educação. Lembramos que está em discussão no Congresso Nacional o fim da vinculação de receitas para a Educação e Saúde, e caso essa proposta seja aprovada, ela representará ainda menos recursos para estas áreas.

Sabemos que não há como suprir, sobre o ponto de vista de aprendizagem escolar, as atividades presenciais. O ensino remoto traz mazelas irremediáveis, por isso lutaremos de forma incansável para que ele não se instale como uma política permanente; não negamos o papel do cuidado nas escolas, mas lamentamos que, sob o ponto de vista da atuação estatal, esta seja uma tarefa quase exclusiva da educação; entendemos que a ausência da escola aumenta o fosso das diferenças de oportunidades entre as classes sociais distintas e que também aumenta a vulnerabilidade social das crianças e adolescentes das famílias com piores estruturação social. O Brasil é o país das desigualdades, pagamos o preço pela imensa desestruturação já existente. Sabemos que essas desigualdades não foram criadas na pandemia, mas por nunca terem sido atacadas de forma séria, estão aumentando drasticamente neste momento. Por isso, frisamos que reabrir as escolas com um funcionamento precário, inseguro e cercado de medo não irá minimizar estes problemas.

Programa de atendimento às crianças, adolescentes e adultos durante a Pandemia

Abaixo apresentamos um programa de atendimento às crianças, adolescentes e adultos neste momento, enquanto as taxas de contaminação não permitirem a reabertura das escolas.

1. O Governo do Estado de Minas Gerais e Prefeituras devem garantir que todas as microcomunidades tenham acesso ao sinal de Internet.

2. Estudantes e trabalhadores devem ter estrutura para o atendimento virtual aos estudantes.

3. Materiais impressos devem ser considerados como apoio, com horários rígidos de entrega e devolução para cada pequeno agrupamento, em intervalos mínimos de quinze dias.

4. Os trabalhadores em educação devem ter estrutura para acompanhar individualmente cada estudante via telefone, por ser o meio a distância de maior abrangência.

5. Este acompanhamento deve ser de apoio a realização das atividades, mas também social. Se for detectado algum indício de questões sociais graves, deve ser estabelecido um canal claro e fácil para encaminhamento da questão.

6. Governo do Estado e prefeituras devem criar uma rede real de busca ativa aos estudantes não encontrados por telefone. As prefeituras devem cruzar os dados da saúde, programas sociais para localizar crianças e adolescentes que não estão sendo acompanhados por nenhuma escola e providenciar a matrícula dos mesmos.

7. Medidas de segurança alimentar e de habitação devem ser mantidas como programas de renda mínima e cestas básicas.

8. Estado e municípios devem construir uma frente para garantia dos empregos e salvamento das micro e pequenas empresas.

9. Acima de tudo, é preciso empenhar todos os esforços para garantir uma ampla vacinação.

Edição: Elis Almeida