Paraíba

NATAL DE RESISTÊNCIA

Que a criança sem-teto renasça em todas as mesas

Hoje milhões de pessoas em todo o mundo irão celebrar o nascimento de um menino pobre chamado Jesus.

Brasil de Fato | João Pessoa - PB | |
Apesar de todo enfrentamento no campo do direito à moradia em 2020, a esperança e a luta persistem - Marquinhos Freitas

E o verbo se fez carne e habitou entre nós. (João 1,14)

Assim começa a história de um Deus menino, que se fez homem inserindo-se na vida e no cotidiano de seu povo desde seu nascimento.

Maria, a jovem de família humilde, fora escolhida, junto do seu esposo José, o carpinteiro. Os dois, pela própria condição de vida, logo cedo estavam cientes de que a trajetória daquela família seria de muito trabalho e muita luta, já que agora carregavam consigo a esperança, a esperança de dias melhores, pois o império romano continuava a exercer sua opressão e exploração com o suor do povo, mantendo as regalias e privilégios dos poderosos.

Naquele tempo, o imperador romano César Augusto determinou que fosse feito um novo censo da população, tendo, portanto, a obrigação de comparecerem para registro Maria, José e a futura criança Jesus. Na verdade, o objetivo era o de ampliar o controle político e a cobrança de mais impostos aos povos da região. Como o casal era de origem da cidade de Belém, para lá se dirigiram no lombo de um jumento.

A viagem não fora marcada por júbilos dignos de um rei, nem havia escolta palaciana, tratava-se da presença visceral de um Deus que passou a habitar entre os homens, sentindo, na própria pele, a realidade de mais uma família que, por força da “lei”, era obrigada a migrar para cumprir a ordem do poder estabelecido; mesmo diante de tamanho sofrimento e penar, só restava cumprir as determinações do império.

Após um longa jornada, cansados da viagem e com a jovem Maria prestes a dar à luz, o carpinteiro se viu diante de uma cidade lotada por conta do censo, sem nenhuma instalação que pudesse servir de acolhida: além de todos os albergues, casas e pousadas de Belém estarem lotadas, não havia nenhum interesse em abrigar aquela família sem-teto, já que não se tratavam de pessoas de posses. Mesmo assim, em momento algum José se utilizou do possível prestígio que viria a ter o futuro rei para conseguir um lugar de abrigo, ao contrário, manteve sua postura honesta e humilde diante de tamanho fardo.

Finalmente, encontraram abrigo num velho estábulo, em meio a vacas, ovelhas, mulas, camelos e outros bichos, graças à solidariedade dos mais pobres. Jesus não nasceu em berço de ouro, era palha e alguns velhos cobertores. Foi o conforto daquela noite alegre e fria. Nascer nessas condições de perseguição e violência promovidas pelo império romano e toda sorte de miséria e desigualdade por ele mesmo produzida, trazia um forte simbolismo de que, apesar da opulência, ostentação e riqueza, os mais pobres resistiam, encontrando, na sua simplicidade e humildade, a matéria prima para sua reprodução enquanto povo, enquanto classe.

Naquela manjedoura havia esperança, contagiando a rede secreta de criadores de ovelhas, pescadores, artesãos, carpinteiros e demais trabalhadores de cidades vizinhas, chagando a outras terras a notícia de que a esperança veio no lombo de uma mula.

Do oriente, vieram sábios reis matemáticos que se guiavam pelas estrelas, chegando à Jerusalém para, com o rei Herodes, saber da boa nova do novo rei dos judeus. Herodes, como bom vassalo do império, pressentiu que a criança, embora fosse recém-nascida, se tratava de uma ameaça futura ao seu poder e a Roma, determinando que todas as crianças de até dois anos nascidas em Belém e arredores fossem assassinadas por ordem e força do estado.

Ajuda dos reis na forma de presentes e proventos para que se pudesse preparar a fuga para o Egito, iniciando um período de clandestinidade de uma família de refugiados políticos, até o tempo em que o verbo pudesse encarnar no meio do povo, fazendo-se humano novamente.

Hoje milhões de pessoas em todo o mundo irão celebrar o nascimento de um menino pobre chamado Jesus, uma tradição que já dura 2020 anos.

Somos todos e todas, querendo ou não, influenciados por esse acontecimento. Um menino pobre, de família de migrantes, refugiados, humildes, que mantiveram relações de cumplicidade com pastores de ovelhas e outros trabalhadores, com sábios do oriente hoje chamados de terroristas, uma ameaça ao poder constituído, ameaçado de morte desde cedo, sobrevive, como todas as outras crianças que nascerão na periferia das grandes cidades ao calor dos barracos de lona preta e mantêm viva a esperança. Somos seguidores dele, um preso político que escolheu 12 apóstolos (pescadores, coletores de impostos, artesãos...) e que, sobretudo, fez uma opção pela vida, em especial a vida dos mais pobres e humildes. Entre eles nasceu e conviveu e se fez carne, se fez homem, se fez povo.

Que nessa data em que celebramos o nascimento do sem-teto menino Jesus, no centro da sala, façamos de nossas ações e sentimentos morada para uma sociedade com justiça e um país soberano.

Livrai-nos de todos os males. Assim seja!

 

Gleyson Melo – É militante do Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos - MTD, integra a Consulta Popular e constrói a campanha Periferia Viva.

Edição: Henrique Medeiros