Rio Grande do Sul

DESMONTE

Governo Bolsonaro publica decreto de extinção da Ceitec

Decreto de "dissolução societária" foi publicado antes de julgamentos no TCU e no STF que podem barrar o processo

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Trabalhadores da Ceitec se mobilizaram durante o ano afirmando que extinção custa mais que manter a empresa funcionando - Divulgação

O governo de Jair Bolsonaro (sem partido) publicou, nesta quarta-feira (16), no Diário Oficial da União, o decreto 10.578, que autoriza a “desestatização” do Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada, a Ceitec, na modalidade de “dissolução societária”.

A estatal brasileira é a única empresa da América Latina que atua na fabricação de chips e semicondutores, utilizados na fabricação de componentes eletrônicos.

A publicação do decreto não aguardou o julgamento de uma ação impetrada no Tribunal de Contas da União (TCU) que apura irregularidades no processo de fechamento da estatal do chip, localizada na Lomba do Pinheiro, zona Leste de Porto Alegre.

Para a Associação dos Colaboradores da Ceitec (Acceitec), que pretende recorrer na Justiça, o decreto desrespeita o TCU e atropela o Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar extinguir a empresa. “Em decreto publicado hoje, GF (governo federal) não aguarda julgamento da ADI 6241 que questiona a normatização de venda de estatais e promove o entreguismo do país”, critica a Associação em nota nas redes sociais, referindo-se ao fato da decisão não ter aguardado também o julgamento no STF da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6241, ajuizada pelo PDT, que questiona a normatização da venda de estatais no país e tem julgamento previsto para esta sexta-feira (18).

A Acceitec vem chamando a atenção para o fato do fechamento da empresa custar mais caro do que mantê-la funcionando. “Se a Ceitec fechar, precisará de R$ 300 milhões para descomissionar os equipamentos. É um parque com muitos químicos e gases tóxicos. É necessário uma licitação internacional para selecionar uma empresa estrangeira, licenciada para isso, vir desconectar”, explicou em ocasião anterior ao decreto o engenheiro Júlio Leão, porta-voz da associação.

A recomendação pela extinção foi formalizada pelo conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), sob a alegação de que, apesar de aportes de R$ 800 milhões em duas décadas, a estatal ainda depende de injeções anuais de pelo menos R$ 50 milhões para cobrir a diferença entre receitas e despesas.

Números do próprio PPI projetam, no entanto, que essa diferença deixa de existir até 2028, mesmo no cenário mais pessimista. E essa trajetória pode ser acelerada para um balanço no azul na metade do tempo estimado, a julgar pelos trabalhadores da Ceitec, que chegaram a levar ao governo federal um plano para manter a estatal de tecnologia funcionando, que envolve cortes de custos e perspectivas comerciais já em curso.

"Era do atraso"

“Mais um retrocesso do Governo Bolsonaro”, criticou o deputado estadual Edegar Pretto (PT) em suas redes sociais. “Não querem um Brasil com capacidade de produção, e mais uma vez colocam o país na era do atraso e a serviço de outros interesses”, complementou.

A deputada estadual Juliana Brizola (PDT) também condenou o decreto: “Além de autoritário, afrontando STF e TCU, novamente publicou ‘estudo’ leviano, sem assinatura de nenhum técnico. Brasil segue fadado à subordinação, ao entreguismo. Segue de joelhos, na contramão do mundo! Brasil colônia!”

O decreto que autoriza a desestatização informa que o processo de liquidação vai observar “os princípios da eficiência, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável e considerada a relevância da manutenção das atividades industriais de microeletrônica no país”. Também autoriza “a publicização das atividades direcionadas à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico e à inovação no setor de microeletrônica, executadas pela Ceitec”. A proposta de dissolução societária prevê que os servidores contratados por meio de concurso público tenham os contratos rescindidos e seus direitos pagos.

A norma determina que o ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações vai definir as regras para a seleção e qualificação de entidade privada sem fins lucrativos como organização social, destinada a absorver as atividades de pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico e inovação no setor de microeletrônica desenvolvidas pela Ceitec. O processo deve durar até seis meses.

A Ceitec

O projeto da Ceitec ganhou forma em 2000, quando um protocolo de intenções foi firmado entre os governos municipal, estadual e federal, instituições de ensino superior e empresas privadas (incluindo a Motorola). As atividades do Centro de Design, onde são desenhados os projetos de chips, começaram nos parques tecnológicos da UFRGS e da PUCRS, em 2005. No mesmo ano, também começou a construção do prédio.

Em 2008, o governo Lula (PT) decidiu encampar o projeto e, por meio de decreto presidencial, foi criada a Ceitec como empresa pública federal. Em 27 de março de 2009, o prédio Administrativo e o Design Center da empresa foram inaugurados. Em 5 de fevereiro de 2010, Lula veio inaugurar a chamada Sala Limpa da fábrica.

No governo Dilma (PT), a Ceitec esteve focada em um projeto de desenvolvimento de microchips para passaportes. Era algo inovador que serviria de referência para nações estrangeiras e poderia gerar mais de R$ 25 milhões em receita, conforme levantamento da própria empresa. A pesquisa foi abortada em 2016 por determinação do então presidente Michel Temer (MDB), que deu início ao processo de desmonte da estatal.


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Edição: Marcelo Ferreira