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A fome e a pandemia na Colômbia

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Crianças são as mais afetadas com a fome - Imagem de billy cedeno por Pixabay
O auxílio financeiro oferecido pelo governo colombiano para 160.000 pessoas não foi suficiente

Por Paola Aparecida*
         
         Com mais de 1 milhão de infectados pela COVID-19 e 30 mil óbitos, a Colômbia é o oitavo país no ranking global de casos positivos de coronavírus. A pandemia agravou e expôs as vulnerabilidades sociais e econômicas por todo mundo. Na América Latina, a chegada do coronavírus significou a volta de milhares de pessoas ao mapa da fome e da extrema pobreza e, na Colômbia, a fome e a insegurança alimentar cresceram entre a população quase de imediato quando foi decretada a quarentena no país, no mês de março. 

         Em abril, um movimento começou a ser registrado na região metropolitana de Bogotá, nos bairros populares da capital colombiana e replicado em outras cidades do país. Era possível ver, pendurados em diversas janelas, mastros improvisados com bandeiras vermelhas, feitas com pedaços de fantasias e roupas.

Mas o que isso significava? Era um chamado por socorro. O movimento nomeado “estratégia do pano vermelho” foi uma forma encontrada pelas famílias que estavam passando necessidade, muitas sem ter nenhum alimento em casa, de sinalizarem para as autoridades governamentais que precisavam de ajuda. O auxílio financeiro emergencial oferecido pelo governo colombiano para 160.000 pessoas necessitadas não foi suficiente para cobrir a carência da população. Mais de 35% dos 50 milhões de habitantes do país viviam na pobreza em 2019 e estimativas apontam que, com o impacto da pandemia, esse percentual deve crescer. 

         Ainda em abril, a Anistia Internacional publicou um comunicado ao governo do presidente Iván Duque sobre a gravidade da vulnerabilidade da população indígena. Alguns indígenas afirmaram não terem recebido a ajuda alimentar prometida pelo governo mesmo um mês após o início da quarentena no país.  

       Outro fator agravante para o aumento significativo da fome no país está ligado ao número de trabalhadores informais. Com cerca de 60% da população adulta trabalhando informalmente, os bloqueios à circulação fizeram com que grande parte da população urbana ficasse retida, impedida de sair para o trabalho, interrompendo a entrada de renda na casa de milhares de famílias. Diante desse cenário, muitos colombianos tiveram que escolher entre o coronavírus ou a fome, fazendo o isolamento social tornar-se cada vez mais difícil entre a população mais pobre e, consequentemente, culminando no aumento expressivo no número de infectados.  

         Além disso, a Colômbia é um dos principais destinos dos emigrantes venezuelanos. Em Soacha, cidade do departamento de Cundinamarca - mesmo da capital Bogotá - estão concentrados 36% dos imigrantes venezuelanos do país e essa população, que já estava vulnerável, teve sua situação agravada com a chegada da COVID-19 na Colômbia. Segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura), os imigrantes vivem, em sua maioria, com insegurança alimentar grave ou aguda.  

        A pandemia também interrompeu os estudos de milhares de jovens, que precisaram abandonar o ensino superior com a suspensão das aulas presenciais. O Ministério da Educação colombiano anunciou, no início da pandemia, um plano emergencial de custeio dos estudos nas universidades públicas de cerca de 260 milhões de dólares, o que permitiu que alguns alunos assegurassem a permanência nas universidades por pelo menos um semestre. Houve também a distribuição, para alguns discentes, de celulares e chips para permitir o acesso à internet. Entretanto, a ajuda não chegou a todos e muitos não têm acesso à internet ou a aparelhos tecnológicos, o que impede a continuação dos cursos de forma remota.  

         Estudantes relatam precisar escolher entre ter acesso à internet ou comprar alimentos. O custo de um dia de acesso à internet pode chegar ao mesmo preço de uma semana de alimentação. No começo de agosto, os alunos da Universidad Nacional, que fica em Bogotá, fizeram uma greve de fome colocando diversas barracas armadas no campus vazio da instituição em uma tentativa de chamar a atenção das autoridades governamentais sobre a calamidade da situação. A greve durou até o final do mês, mas as reivindicações dos estudantes não foram atendidas.  

         Além de todos os problemas apresentados, o país ainda passa por uma série de protestos. Entre os manifestantes estão professores, indígenas, estudantes e trabalhadores que reivindicam a mudança do governo do atual presidente, Iván Duque. Desde o final 2019, a Colômbia tem registrado protestos contra o atual governo e, com a pandemia, a insatisfação popular apenas aumentou. O crescimento expressivo da violência é outro fator que contribui para o descontentamento da populacão. Segundo o observatório Incerpaz, mais de sessenta chacinas promovidas pelo narcotráfico foram registradas só neste ano.  

            Portanto, diante dos fatores apresentados, nota-se que a Colômbia passa por uma forte crise sanitária, social e econômica, e o futuro do país é incerto. O aumento da repressão policial contra os manifestantes tem chamado atenção negativamente mais uma vez para um país que tem a história marcada pela violência. Com o aumento da fome e da pobreza, a população colombiana deve enfrentar uma crise ainda maior nos próximos meses.  

-Acesse o blog www.fomeri.org do Grupo de Pesquisa sobre Fome e Relações Internacionais para acompanhar as principais notícias e relatórios de organizações internacionais sobre como a pandemia afeta a segurança alimentar e nutricional pelo mundo

*O Grupo de Pesquisa sobre Fome e Relações Internacionais da UFPB é formado por: Prof. Thiago Lima; Ellen Maria Oliveira Chaves; Marcelly Thaís Marques Ribeiro; Paola Aparecida Azevedo de Souz

 

Edição: Henrique Medeiros e Cida Alves