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COVID-19 e a Fome: O caso da África do Sul 

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Cerca de 44,8 milhões de pessoas no continente africano estão sem acesso à alimentação básica durante a pandemia - Foto: Billy Mutai/Anadolu Agency
Milhares dos 7,8 milhões de sul-africanos que se candidataram a um subsídio não receberam auxílio

Por Marcelly Thaís Marques Ribeiro* 

A África do Sul ocupa a décima primeira colocação no índice de países com o maior número de infectados por Coronavírus, ultrapassando 696 mil contaminações e mais de 18 mil óbitos. Os efeitos da pandemia chegaram ao país em meados de março, quando foi decretado um período de confinamento de 21 dias. O confinamento ocorreu paralelo a uma série de medidas preventivas: a aprovação de pacotes econômicos, ampliação de leitos hospitalares, fomento das políticas de combate à fome. Contudo, apesar dos esforços, a insegurança alimentar demonstrou ser um dos principais desafios a serem enfrentado pelo país.

O período de isolamento social teve início logo em março, quando a OMS (Organização Mundial da Saúde) decretou pandemia. Consequentemente, as escolas foram fechadas, paralisando os serviços de merenda escolar, privando milhares de estudantes sul-africanos desse direito. Além disso, os comércios informais de alimentos foram fechados, com autorização de repressão concedida aos militares caso os comerciantes descumprissem a medida. Com o comércio local fechado e a dificuldade de locomoção devido ao isolamento social que paralisou as linhas de transporte, a população sul-africana ficou refém dos supermercados. Essa situação, associada à recessão global, fez com que o preço dos alimentos fosse elevado e que, no final do mês de abril, quase metade das famílias da África do Sul tivessem esgotado suas reservas monetárias para compra de alimentos. 

Em resposta, o governo da África do Sul aprovou um pacote de estímulos de mais de 30 bilhões de dólares em complemento a uma rede de segurança social já existente. Essa rede já apoiava cerca de 11,3 milhões de cidadãos através de assistência alimentar mensal e outros benefícios. Porém um escândalo de corrupção envolvendo o pacote fragilizou suas ações. O Presidente Cyril Ramaphosa, que ganhou as eleições com um discurso anticorrupção, anunciou uma nova unidade de aplicação da lei para investigar as alegações, que incluíam desvio dos alimentos e da verba do Fundo de Seguro Desemprego e contratos inflacionados para fornecer EPI (Equipamentos de Proteção Individual).

Além disso, milhares dos 7,8 milhões de sul-africanos que se candidataram a um subsídio de assistência estatal não receberam o auxílio. Ademais, outro programa social do Governo da África do Sul também foi fragilizado devido à corrupção. Vereadores das províncias locais foram acusados de barrar e contrabandear as cestas básicas, redistribuindo os alimentos de acordo com o próprio interesse. O programa havia sido expandido para alimentar alguns dos 4,5 milhões de sul-africanos desempregados em consequência da pandemia.

Outro grupo extremamente vulnerável à insegurança alimentar, principalmente no contexto pandêmico, são os refugiados. A Agência das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR, em inglês) e o Programa Mundial de Alimentos (PMA) têm alertado para o fato de que milhões de refugiados, em toda a África, dependem de ajuda alimentar regular para atender às suas necessidades. Na África do Sul, muitos destes correm o risco de despejo e tem como única alternativa as linhas de apoio da ACNUR para garantir sua segurança alimentar. 

A África do Sul é um país marcado pela desigualdade social, consequências dos processos colonizatórios e do Apartheid, que ainda são presentes na sociedade, principalmente quando se põe em questão a segregação dos grupos vulneráveis concentrados em vilas pobres afastadas dos centros urbanos e com baixa possibilidade de empregos formais. Nesse sentido, por mais que o processo de democratização represente um enorme avanço para o país, ainda há muito o que se trabalhar para reduzir a desigualdade social e a informalidade do mercado de trabalho. A maior potência econômica do continente africano possui milhões de pessoas vivendo na pobreza e a fome segue sendo um dos seus principais desafios. Infelizmente, a corrupção em tempos de pandemia agrava ainda mais a situação das pessoas vulneráveis.

-Acesse o blog www.fomeri.org do Grupo de Pesquisa sobre Fome e Relações Internacionais para acompanhar as principais notícias e relatórios de organizações internacionais sobre como a pandemia afeta a segurança alimentar e nutricional pelo mundo

*O Grupo de Pesquisa sobre Fome e Relações Internacionais da UFPB é formado por: Prof. Thiago Lima; Ellen Maria Oliveira Chaves; Marcelly Thaís Marques Ribeiro; Paola Aparecida Azevedo de Souza

Edição: Henrique Medeiros e Cida Alves