Paraíba

MULHERES E COVID-19

A sobrecarga de trabalho doméstico na periferia de Campina Grande durante a pandemia

"Em muitas entrevistas foi possível perceber a normalização dessa dedicação à casa"

Brasil de Fato | João Pessoa - PB |
Reprodução - Foto: NACHO DOCE / REUTERS

Por LabRua*

O novo coronavírus vem gerando diversas mudanças na forma como vivemos, trabalhamos e nos socializamos. As medidas de saúde e isolamento apontam para a paralisação de muitos serviços e reorganização da cidade e que tem potencializado muitos problemas, tais como: falta de moradia, dificuldade de deslocamento, crescimento da taxa de desemprego e mudanças na rotina e renda familiar.

A forma como nossa sociedade e cidades foram construídas e organizadas impacta na maneira que as políticas de combate ao Covid-19 acontecem e nas consequências que elas geram. Alguns levantamentos recentes mostram que grupos mais vulneráveis têm sofrido maiores consequências durante o isolamento. A falta de condições de emprego e moradia, principalmente na periferia, afetam de formas diferentes as famílias de classe mais baixa. Além disso, as mulheres, pelo acúmulo de funções dentro e fora de casa, são mais atingidas pelas demissões e sobrecarga doméstica.

Habitamos cidades que não são imparciais e que possuem forte tendência de gênero e a pandemia do novo coronavírus evidenciou e fortaleceu muitos desses problemas como o  aumento da violência doméstica, do desemprego e sobrecarga de trabalho feminino. Estes dois últimos, sobretudo, foram abordados em uma pesquisa realizada pelo Laboratório de Rua (LabRua) na periferia de Campina Grande-PB durante a pandemia do novo coronavírus, entre os  meses de julho e agosto deste ano. 

A pesquisa parte do entendimento da atual relação das mulheres com a cidade, com o lar e a sua relação com o trabalho doméstico. A partir do contato com as lideranças comunitárias, o laboratório entrevistou algumas habitantes de nove territórios periféricos da cidade, entre eles: Acácio Figueiredo, Aluízio Campos, Malvinas, Pedregal, Quarenta, Ramadinha, São José, Tambor e Três Irmãs. As conversas permearam sobre como tem funcionado alguns critérios de organização da casa e da rotina antes e depois da pandemia, como: com quem e quantas pessoas vivem na casa; como está o trabalho remunerado e os serviços e responsabilidades com a casa; se tem e para onde tem saído nesse período; os meios de locomoção mais utilizados; como é o cuidado com os filhos e com o lar; questões de saúde; entre outras. 

Tendo como ponto de partida a compreensão de conceitos como patriarcado e divisão sexual do trabalho, estabelecendo uma relação direta com as mulheres entrevistadas e índices e dados numéricos nacionais, foi possível se aprofundar na temática e entender o que está envolvido na sobrecarga de trabalho doméstico. Para todas as entrevistadas, o cuidado com os filhos e ambiente doméstico já era responsabilidade delas antes da pandemia, mas que com a permanência em casa esse trabalho aumentou.

Com o isolamento, a perda de emprego, diminuição da renda e excesso de funções com cuidado da família, foi comum a maioria as mulheres da periferia de Campina Grande, e em muitas entrevistas foi possível perceber a normalização dessa dedicação à casa, tanto por parte dessas mulheres como por parte de outros membros da família. Além disso, a perda ou afastamento dos serviços remunerados recaiu mais sobre elas do que sobre os maridos, contribuindo para deixá-las mais dependentes financeiramente deles e incidindo na perda de liberdade social e financeira dessas mulheres. Com algumas falas foi possível perceber que isso acarretou também um aumento desse compromisso de responsabilidade com o cuidado da família e da casa, já que no momento elas não estão podendo ajudar financeiramente com os gastos domésticos. 

É urgente considerar que esse problema afeta outras dimensões da vida. Além das relações sociais, a preocupação e dificuldade de acesso à saúde, a precariedade e informalidade do trabalho, como também a liberdade econômica e a capacidade de sair da linha da pobreza, deixando marcas psicológicas. 

Convidamos todas e todos para conhecerem e se apropriarem dessa pesquisa e análise dos dados, acessando o site do laboratório e artigo completo em: www.labrua.org/blog/.


*Pesquisa desenvolvida pelas pesquisadoras Beatriz Brito, Beatriz Moura, Beatriz Sousa, Renata Cardoso, Sam Lima, Yona Kaluaná.
 

Edição: Henrique Medeiros e Cida Alves