Paraíba

Coluna

A população negra, a educação e a pandemia

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A primeira romancista brasileira foi Maria Firmina dos Reis (1822-1917), uma mulher negra

Por Coletivo Adélia de França*

Infelizmente não é de conhecimento de todos, mas a primeira romancista brasileira foi Maria Firmina dos Reis (1822-1917), uma mulher negra. Ela também foi a primeira professora do magistério maranhense. Assim como Firmina, a professora Adélia de França (1904-1981) foi uma das primeiras professoras negras a ocupar um cargo de docente na educação básica da rede pública de ensino da Parahyba do Norte.
Adélia também frequentou os bancos escolares da Escola Normal Paraibana, onde concluiu o magistério. Em épocas e contextos diferentes, essas mulheres representaram a presença de pessoas negras nas escolas brasileiras não apenas como estudantes, mas também presentes no corpo docente.
Esses exemplos servem para expor a importância da escolarização na vida de pessoas negras. A inserção da(o) negra(o) no sistema educacional é importante, faz parte do processo de emancipação e é uma forma de combater o racismo. A escola é, ou pelo menos deveria ser, um meio de promover condições para o aprendizado, no qual é vista como ponto central na mudança e melhoria de vida da população negra. As desigualdades de acesso e aprendizagem, bem como as diversas formas de discriminação e preconceito, manifestam-se na escola.
A desigualdade educacional é resultado de um processo histórico que até hoje perpetua o racismo institucional impregnado na sociedade brasileira. O modelo educacional vigente revela uma realidade que vem se constituindo desde o início do processo de diáspora africana. A nossa ancestralidade africana tem base na história oral, a escrita no continente africano já existia antes do contato com o colonizador, entretanto muitas sociedades eram essencialmente pautadas na tradição oral. As histórias contadas em aldeias eram carregadas de tradição e transmitiam através da oralidade o modo como viviam, além de representar a memória coletiva de um povo. Para nossos ancestrais africanos, a educação tinha base na oralidade, contudo o processo de diáspora e o contato com o ocidente mudaram essa realidade. O modelo europeu predomina nas escolas regulamentadas pelo Estado brasileiro, pois trata-se do resultado do processo de colonização vivenciado no país. Esse modelo europeu tem desvalorizado a prática da educação através da tradição oral. Aliás, o modelo tradicional europeu definiu durante muito tempo que as sociedades consideradas pré-históricas eram denominadas sem história, uma vez que não tinham contato com a escrita.
Apesar de haver exceções, pois existem escolas que exercem a transmissão do saber a partir da tradição oral africana, o que predomina é o padrão pautado na concepção de superioridade racial, ou seja, no racismo, apregoando a meritocracia e muitas vezes priorizando o ensino exclusivo para o mercado de trabalho, além da valorização da história e cultura europeia de forma a inferiorizar o regional.
A população negra sequestrada do continente africano se transformou em mão de obra escrava e durante a formação do Estado brasileiro não foi considerada como cidadã. A população negra também aderiu a esse modelo como uma forma de existir e resistir. Desse modo, alguns dos nossos ancestrais acessaram ao modelo de escolarização enfiado goela abaixo pelo colonizador. Eles tiveram que aprender a ler e a escrever a língua e a cultura da metrópole para continuar existindo e uma vez ciente da mudança que a educação formal do colonizador proporciona, puderam, dentro de suas possibilidades, mudar de alguma maneira a sua realidade. Até hoje essa é uma das estratégias utilizada pelas(os) negras(os), que é se apropriar das imposições do branco para sobreviver e a educação é uma delas.
A legislação brasileira em diversos momentos da história negou e/ou dificultou o acesso à escolarização para pessoas negras, todavia, ainda que de forma desigual, esses sujeitos estiveram presentes nos bancos escolares, formal ou informalmente, em institutos particulares ou públicos, inclusive no Período da Colonização e do Império, o que já foi comprovado por vários estudos. À medida que a(o) negra(o) passa a ter acesso à escola e às políticas excludentes da educação básica, vem proporcionalmente diminuindo a qualidade da educação. A formação dos professores tem apresentado falhas que não colaboram com a melhoria tanto do docente quanto do discente. Soma-se a isso à desvalorização do magistério que se deteriorou no governo atual e que cada vez menos atrai profissionais que queiram se dedicar à função.
A pesquisa “Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil” publicada pelo IBGE no ano passado aponta que negras(os) são maioria matriculadas(os) em universidades públicas, porém não significa que conseguem se manter, pois as instituições superiores também têm se tornado alvo das políticas pouco eficientes agravadas no presente governo.
A pandemia da covid-19 levou ao fechamento das escolas e escancarou os problemas já conhecidos, que estudantes, professoras(es) e demais profissionais da educação enfrentam no cotidiano, desde a falta de água para manter a higiene à inexistência de merenda. O ensino remoto expõe a incapacidade do Estado em oferecer uma educação pública de qualidade e todos esses problemas, direta ou indiretamente, perpassam pelo racismo.
Assim, fica explícito que na história do Brasil a conta maior dos problemas sociais recai sobre as costas negras, sendo a população negra a maior prejudicada e no campo da educação não tem sido diferente. Por outro lado, o movimento negro segue na luta, porque vidas negras importam, apesar da necropolítica que constitui o Estado brasileiro. De modo abrangente, esse modelo social e político trata-se de uma política genocida que determina quem deve ou não morrer. Numa sociedade como a nossa não fica difícil saber quem fica na linha de frente dessa política. Estudar é resistir. E resistência está na veia da população negra. A trajetória educacional do povo negro está repleta de práticas racistas e de muita luta. E lutar por uma educação de qualidade também é resistência.  E resistir é existir.


*A coluna Fala, professora Adélia! é uma iniciativa do Coletivo Professora Adélia de França que busca divulgar as reflexões das trabalhadoras e trabalhadores em Educação da Paraíba. Para contribuir com essa organização coletiva, escreva para [email protected]
 

Edição: Cida Alves