Paraíba

ARTIGO | EMOCIONADO

Do "nunca antes" ao fato consumado

O ministro Gilmar Mendes participa de encontro com dirigentes da luta camponesa

Brasil de Fato | João Pessoa - PB |
Ministro do STF, Gilmar Mendes, se emociona em live com dirigentes a luta campesina - Foto: MST

*Por Adarlam Tadeu - MST/PB

O Supremo Tribunal Federal (STF) foi instituído a partir da Constituição promulgada em 24 de fevereiro de 1891, de modo que, em 24 de fevereiro de 2020, a Suprema Corte completou 129 anos de existência (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2020). Por sua vez, o MST foi criado em janeiro de 1984 e fez 36 anos de existência em janeiro de 2020. A data de 14 de agosto tem sua simbologia e memória. O debate intitulado “Reflexões sobre o Brasil em tempos de pandemia” com a presença do ministro do STF Gilmar Ferreira Mendes, aconteceu dois dias após o aniversário de 37 anos de morte da líder sindicalista rural Margarida Maria Alves, a primeira mulher presidenta de um sindicato rural, assassinada em 12 de agosto de 1983 no município de Alagoa Grande (PB). Ademais o mundo se despediu do grande dramaturgo alemão Eugen Bertholt Friedrich Brecht em 14 de agosto de 1956, ou seja, fez-se 64 anos da morte deste grande poeta (MAZIN; STROZAKE e STÉDILE, 2012).

Esses marcadores históricos demarcam a temporalidade do debate acontecido na noite de 14 de agosto de 2020 (sexta-feira) das 19:00 às 21:00 horas, o qual tinha como objetivo refletir acerca da contemporaneidade do Brasil pandêmico, mas também indicar caminhos baseados em evidências científicas de encontro à crise que assola o mundo e o nosso país. O evento foi coordenado pelo MST, realizado por meio das plataformas zoom e youtube e, segundo a coordenação do ato remoto, contou com a participação de 1.500 pessoas entre militantes do MST, dirigentes das centrais sindicais, autoridades religiosas, personalidades jurídicas e jornalísticas, autoridades parlamentares (deputados, senadores, vereadores), governadores, dirigentes partidários/as e várias outras autoridades. Foi uma data de grande simbologia e, como diria o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, “nunca antes na história desse país”, em praticamente 130 anos de existência do STF, um ministro da mais alta corte havia acenado qualquer gesto de diálogo com um movimento social do campo.

Mesmo de forma remota não faltou a beleza da mística, poesias, canções dos/as cantores/as do MST. Na sequência, a coordenação conferiu as boas vindas a todos/as os/as pessoas presentes e abriu-se para as falas de saudações, entre as quais se destacam: a do presidente nacional da Ordem dos Advogados/as do Brasil (OAB) em exercício Felipe de Santa Cruz Oliveira Scaletsky, dos professores e juristas Celso Antônio Bandeira de Melo, Carol Proner, Miguel Aurélio de Carvalho, do economista José Roberto Afonso e de João Pedro Stédile. Este, de forma bastante telegráfica, pontuou as ações e, sobretudo, os atos de solidariedade desencadeados pelo MST nesse contexto de pandemia. Depois da fala do ministro Gilmar Mendes, os companheiros Ney Strozake e Ayala Ferreira fizeram os devidos agradecimentos.

O que disse o magistrado em sua fala, a qual durou cerca de 30 minutos? O ministro iniciou com um tom amistoso: “a minha presença aqui, mais do que, talvez, algum efeito de índole prática, tem o efeito simbólico”. Há nessa fala de partida um gesto de humildade que ilustra as suas credenciais acadêmico-jurídicas. Em seguida, ventilou de relance eventuais divergências conosco do MST, mas foi cirúrgico e preciso ao afirmar que esses aspectos não impossibilitariam o diálogo. Na continuidade, relembrou alguns episódios: a situação dos 34 brasileiros/as que estavam em Wuhan na China, algumas medidas importantes tomadas pelo Congresso Nacional e que ele denominou de lei da moldura (autorização para busca dos brasileiros/as no país asiático), e a aprovação de algumas Medidas Provisórias em circunstâncias da pandemia.

No transcurso de sua fala, enfatizou o Sistema Único de Saúde (SUS) que “materializa um federalismo cooperativo e é resultado de um experimentalismo institucional interessante”. De fato esse é o papel do SUS, apesar do seu asfixiamento ao longo dos tempos; mesmo no âmbito da pandemia o ministro considera o nosso sistema de saúde público fortalecido. Outro elemento de relevo trazido pela fala do ministro foi a decisão tomada pelo STF em relação à jurisprudência dos três entes da federação (União, Estados e Municípios) terem competências e responsabilidades no enfrentamento ao coronavírus; mais uma vez voltou-se ao federalismo cooperativo que precisaria ser “respeitado”. Nesse sentido, o magistrado afirmou que o STF não faltou ao Brasil e, a meu ver, a pessoa do ministro cumpriu um papel publicitário das ações da referida corte, moldurado por certo mix de prudência e modéstia.

Há críticas em relação às medidas desproporcionais tomadas pelo Poder Executivo Federal a partir do auxílio emergencial. Porém, de modo curioso o ministro não citou direta ou nominalmente a pessoa do presidente da república como um dos responsáveis pelo caos pandêmico, ressaltando que essa enfermidade epidêmica é oriunda da “iniquidade e desigualdade”. Parece-me que, nesse trecho da fala do ministro, ao aceitar o convite para participar dessa live promovida pelo MST, o integrante do STF leu a matéria da jornalista Fernanda Mena, publicada em 9 de agosto de 2020 na Folha de São Paulo, intitulada “Pandemia é resposta biológica do planeta, diz físico Fritjof Capra”. Este físico e ambientalista austríaco defende que a pandemia é fruto da combinação sistêmica de três macrovariáveis: desigualdade social, economia predatória e devastação ambiental (FOLHA DE SÃO PAULO, 2020).

Na sequência, o magistrado volta a fazer referência a mais uma ação do STF, quando este decidiu “flexibilizar” (o termo é meu) a lei de responsabilidade fiscal para oferecer sustentação jurídica ao Poder Executivo. Essa medida, denominada pelo ministro de PEC do orçamento de guerra, não exigia procedimento licitatório e dava maior celeridade na aquisição de equipamentos necessários ao enfrentamento do coronavírus. Por último, o ministro encerrou sua fala e salientou a defesa contundente da democracia, dos direitos sociais e fundamentais, bem como propôs a criação de uma lei de responsabilidade social. E sentenciou: “vou guardar na minha memória este dia para sempre”.

Em suma, esse artigo procurou sintetizar algumas das principais argumentações e reflexões expostas pelo magistrado. No entanto, é importante frisar que o ministro foi um marabalista, habilidoso, bastante comedido na utilização de expressões, palavras, terminologias e vocábulos durante os 30 minutos de sua exposição.

*Adarlam Tadeu da Silva é militante do MST/PB, formado em Administração e mestre em Gestão Pública e Cooperação Internacional pela UFPB.

Referências:
MAZIN, A. D.; STROZAKE, J.; STÉDILE, M. E. A. Calendário Histórico dos Trabalhadores e Trabalhadoras. São Paulo: Expressão Popular, 2012.

MENA, F. Pandemia é resposta biológica do planeta, diz físico Fritjof Capra. Folha de São Paulo, São Paulo, 09/08/2020. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fronteiras-do-pensamento/2020/08/pandemia-e-resposta-biologica-do-planeta-diz-fisico-fritjof-capra.shtml. Acesso em: 17 ago. 2020.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Histórico. Brasília, 2020. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=sobreStfConhecaStfHistorico. Acesso em: 17 ago. 2020.

 

 

Edição: Maria Franco