A década de 1930 trouxe transformações sociais, econômicas e políticas para o mundo inteiro. Na Itália e na Alemanha, o nazi-fascismo ganhava forma, o capitalismo industrial entrava em sua primeira grande crise um ano antes, o leste europeu acenava para o mundo a primeira possibilidade de uma sociedade pós capitalista.

No Brasil, Getúlio Vargas chegava ao poder depois de intensas mobilizações e guerras civis através do movimento tenentista.

Na Paraíba, o estado sofria em uma espécie de luto coletivo a morte de João Pessoa.Entretanto, nos confins do interior da Paraíba nascia um albino que iria redimensionar o papel da música nordestina brasileira no mundo. Sivuca nasceu na cidade de Itabaiana, em 26 de maio de 1930, vinha de uma família de sapateiros e descobriu seu amor pela música desde cedo.

O apelido de Sivuca vem de um nome que é muito comum na Paraíba e, no Nordeste em geral, que é Severino. Em entrevistas, falava que aos oito anos de idade se apaixonou pelo órgão da igreja na qual frequentava, desde este momento sabia que o seu destino era a música. Aos nove anos de idade ganha da sua família uma sanfona de oito baixos. A sua origem é de trabalhadores,  Sivuca não teve a chance de estudar música em uma instituição desde pequeno, apesar de sua habilidade para música.

Ele costumava dizer que gostava de ir pro cinema, não para assistir os filmes e sim para decorar as canções para poder tocar. Já com nove anos, Sivuca tocava em festas de casamento, batizados e chegou a tocar em circo. Aos quinze anos, era evidente a sua inclinação para a música, então ele decide se mudar para Recife (o principal cenário cultural da região) e lá faz algumas apresentações, onde chama a atenção do diretor artístico da Rádio Clube, onde tocou por cerca de três anos.

É interessante que neste período ele desenvolve a melodia de uma valsa que cerca de 30 anos depois será batizada por Chico Buarque como “João e Maria”. Um outro ponto importante é que Sivuca foi um dos primeiros artistas a serem disputados publicamente por uma rádio. Acontece que em 1948 ele se transfere para a Rádio do Comércio, o motivo para Sivuca se transferir era o de aprender teoria musical com o diretor da Rádio Comércio daquele período,  Guerra Peixe.

No rádio Jornal do Comércio, ele participa da composição de trilhas sonoras para novelas e é nesta rádio que ele recebe o convite de Carmélia Alves para se mudar para São Paulo. Em 1951, se muda para São Paulo e lá produz seu primeiro disco interpretando Carioquinha do Flamengo, ainda em 1951, Sivuca lança seu primeiro sucesso de ordem nacional, a belíssima canção; “Adeus Maria Fulô”.

O paraibano passa cerca de quatro anos no estado de São Paulo, e se transfere para o Rio de Janeiro onde trabalha até 1959, quando é demitido da rádio por participar de uma greve de músicos. Acho importante salientar isso para mostrar o comprometimento deste multi-instrumentista com os que vem de baixo, pois ele também vinha de baixo.

O final da década de 50 é de constante mobilização da classe trabalhadora no país. Entre 1955 e 1959, Sivuca participa de duas turnês com grupos brasileiros na Europa, é na segunda turnê, em 1959, que Sivuca decide não voltar para o Brasil e continua na Europa. Por mais de 15 anos, Sivuca trabalhou e morou em diversos países: França, Portugal e Estados Unidos. Participou de muitos programas de televisão, tocou em muitos festivais e em 1962 foi considerado pela imprensa parisiense como o melhor instrumentista do ano.

Depois deste hiato fora do país, Sivuca decide retornar ao Recife em 1964, mas com a instauração do golpe militar de 64, ele decide ir para os Estados Unidos. A maior contribuição de Sivuca para a música brasileira se dá na versatilidade com que o músico tocava o acordeom. Enquanto que Luiz Gonzaga é o responsável por colocar o forró e o baião na ordem do dia da indústria fonográfica, Sivuca é o responsável por ampliar e colocar o acordeom não apenas no terreiro de forró, mas também nos grandes concertos de bossa nova e jazz que existiam no mundo. A

pesar de seu acordeom está fixada nas rodas de côco que aconteciam na Paraíba, Sivuca é o responsável por juntar esse chão comum do acordeom com a música clássica, jazz, chorinho e bossa nova. O feito de Sivuca foi tão grande e repercutiu tanto no mundo da música que existem relatos de um telegrama que Miles Davis (um dos maiores músicos do jazz de todos os tempos) onde o mesmo agradece a Sivuca por tê-lo feito as pazes com o instrumento.

O período de 1965 até 1969 colocou o mestre Sivuca em um outro patamar na música mundial, isto porque ele participou da criação de arranjos e da gravação de grandes sucessos daquele período, entre eles a canção Pata-Pata, da cantora sul-africana Miriam Makeba, com forte ativismo contra o apartheid sul-africano. Além de participar da gravação do disco de Makeba, Sivuca em 1971 também participa da construção de arranjos para musicais e especiais para televisão estadunidense. Em 1975, ele participa do disco de Paul Simon, cantor norte-americano e um dos principais nomes do Folk.

É neste período que Sivuca se casa com Glorinha Gadelha. A sua parceria de vida e de música com Glorinha Gadelha teve um momento único com a composição de Feira de Mangaio, eternizada na voz de Clara Nunes. A música foi composta em Nova Iorque, em um dia de forte chuva. Sivuca relata que sentia muita saudades da sua terra natal, sentia saudades das feiras do interior, do contato e da conversa do povo nordestino e é desta saudade que sai uma das maiores canções da música popular brasileira.

Sivuca era um inconformado, sua inconformidade o fez ampliar o seu instrumento de paixão. O acordeom que era utilizado para tocar o baião, também passou a ser utilizado para tocar música clássica, ele foi o responsável por construir partituras de Bach para a sanfona. Ele era tão inconformado que decide participar das lutas por garantias trabalhistas para os músicos, que são trabalhadores como todos os outros trabalhadores, a sua inconformidade era tão grande que não suportou ver sua terra sendo usurpada por militares. A sua inconformidade tinha uma relação direta com sua terra, o paraibano Severino foi um dos maiores nomes da música brasileira e eternizou-se no planeta da música, diminuindo fronteiras e aproximando estilos musicais.

Edição: Heloisa de Sousa