Paraíba

MODELO INALCANÇÁVEL

Artigo | Mães superpoderosas, mulheres invisibilizadas

Até quando mãe vai ser “padecer no paraíso”?

Brasil de Fato | João Pessoa (PB) |
Solidão materna. - Reprodução / Site Militância Materna

O mês das mães iniciou. Estamos sendo bombardeados de corações e declarações de amor às mães que são tão importantes na vida da maioria de nós. Ainda que este ano, a Pandemia do Coronavírus e as "peripécias" do desgoverno venham dividindo atenções, as propagandas veiculadas nos mais diferentes meios incentivam os filhos a comprarem presentes como prova de amor. O capitalismo transforma tudo em consumo e, o Dia das Mães deve ser comemorado com perfumes, chocolates, flores, joias, roupas e utensílios do lar, esvaziando de sentido a própria maternidade.

Esvaziando porque a maternidade não se resume ao segundo domingo de maio, nem tampouco deve ser exaltada com a máxima de "ser mãe é padecer no paraíso". Essa abordagem só fortalece e reafirma a visão patriarcal que impõe às mulheres papéis de cuidados exaustivos e desvalorizados[1].

Essa perspectiva romanceada e associada a sofrimento é reproduzido por pessoas que, não tendo filhos, se julgam no direito de criticar as ações e comportamentos das mulheres-mães ou; por aquelas que tendo filhos, fazem comparações injustas tornando obrigatória a mesma vivência da maternidade. Onde todos apontam dedos, mas ninguém oferece o braço para compartilhar, essas mulheres seguem muitas vezes sozinhas, culpadas e condenadas a uma vida de abnegações.

Ao universalizar a categoria “MÃE” não se considera os diferentes contextos, raça, classe social, apoio da família e acesso a educação. Na verdade, o feminino (que também sofre com a universalização) vive diferentes maternidades com sabores e dessabores muito diferentes e, que devem ser levados em consideração, inclusive na formulação de politicas publicas de saúde e assistência social. 

Djamila Ribeiro[2] retrata a ideia da maternidade compulsória bem como a associação desta ao sofrimento:

Desde muito cedo somos ensinadas que devemos ser mães. Divulgam uma ideia romântica da maternidade e a enfiam goela abaixo, naturalizando esse lugar. Mais além, cria-se a culpa. Não é incomum ouvir “Que mãe é essa que permite isso?” ou “Mãe que é mãe aguenta tudo”. Mas mãe é um ser humano, e não alguém com superpoderes. Por trás de uma mãe que aguenta tudo há uma mulher que desistiu de muita coisa e um pai ausente desculpado pelo patriarcado. (p. 143, 2018).

O cuidado com as crianças exige a participação de várias pessoas. No ocidente (e em alguns grupos sociais, em particular) esse cuidado é compreendido de forma diferente e, acaba por muitas vezes penalizando as mães que são vistas como as principais (se não únicas) responsáveis pelos cuidados com os filhos.

A maternidade é um ato de amor genuíno e de grande valor, mas nem por isso precisa ser solitário para aquelas que a escolhem e, nem tampouco, obrigatório para todas. Por isso não basta apenas presentear, faz-se necessário oferecer cuidado, acolhimento, apoio e, acima de tudo, o olhar justo para além da maternidade.

Mães precisam ser mães, apenas. Não precisam carregar mais 10 (dez) adjetivos associados que, uma vez descumprimentos, toda uma sociedade se sente no direito de julgá-las e violentá-las. Numa sociedade onde ser mulher é passaporte para a morte de tantas brasileiras (1314 mortes no ano de 2019, média de 1 mulher a cada 7 horas assassinadas por serem mulheres[3]), não é de se admirar as violações da maternidade: da violência obstetrícia a estigmatização fundada em padrões tão absolutamente inalcançáveis.

Ser mãe (não necessariamente biológica, mas de ofício) não precisa ser sinônimo de abnegações. Mas isso só vai acontecer se a sociedade - destacando os filhos e companheiros - olharem essas mulheres com o mesmo amor que elas dedicam aos seus. Neste ano, presenteia suas mães com divisão digna dos trabalhos domésticos e de cuidado; com a possibilidade dela dormir, se alimentar, tomar um banho e ter momentos de tranquilidade sem se sentir culpada por isso; com expurgo de julgamentos e oferendas de acolhimento; trocando acusações por apoio psicológico, financeiro e logístico.

Faça dessa missão linda e importante mais do que um conto de fadas falacioso e baseado em modelos inalcançáveis criados pelo mesmo sistema opressor que define nossos corpos, comportamentos e relações. Seja “mãe” mesmo sendo pai, sendo irmão, amigo, parente. Ter apoio nessa tarefa não diminui a maternidade, só a torna mais prazerosa, justa e realmente digna para quem se dispôs a doar o melhor de si para a humanidade perpetuando vida na Terra.

Feliz dia das mães para as mulheres que desejam genuinamente assumir esse belo papel.

Notas:

[1] O Filme TULLY (Diamond Films) de 2018 traz uma perspectiva delicada sobre a temática. 

[2] RIBEIRO, Djamila. Quem tem medo do feminismo negro?. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. Arquivo Kindle. 

[3] Disponível em <https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2020/03/05/mesmo-com-queda-recorde-de-mortes-de-mulheres-brasil-tem-alta-no-numero-de-feminicidios-em-2019.ghtml>. Acesso em 05/05/2020 às 14:27h.

 

*Jornalista e Secretária de Comunicação da CUT-PB.

Edição: Heloisa de Sousa