Paraná

HOMENAGEM

Óscar Correas, crítica jurídica e filosofia da práxis

Faleceu hoje um dos maiores pensadores marxistas e do direito na América Latina

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
Óscar Correas publicou mais de 30 livros nas últimas três décadas - Acervo pessoal

A notícia da morte de Óscar Correas Vázquez, vinda do México nesta manhã de segunda-feira, 27 de abril, entristece gerações de juristas e representa momento simbólico para o pensamento crítico latino-americano.

Argentino de Córdoba, Óscar Correas formou-se em direito pela Universidade Católica, onde conheceu os debates cristãos revolucionários dos Montoneros (com a presença do seminarista-guerrilheiro Juan García Elorrio) e dos marxistas (sendo que o nome do também cordobês José Aricó, um dos maiores teóricos do marxismo latino-americano, marcou-o sensivelmente).

Foi profundamente impactado pelos movimentos grevistas dos sindicatos classistas de trabalhadores, em Córdoba. Neste contexto, participou da “Agrupación de Abogados de Córdoba” que organizava juristas contra a segunda ditadura argentina após a derrubada de Perón (que durou de 1966 até 1973; a primeira se deu entre 1955 e 1958). A defesa de presos políticos e as fortes declarações públicas de conteúdo revolucionário fizeram com que seus advogados fossem perseguidos e todos entrassem na mira da repressão, especialmente com Videla e a terceira ditadura argentina, entre 1976 e 1983.

Dias antes do golpe de 24 de março, a Agrupação já vinha recebendo várias ameaças. Por isso, a 29 de fevereiro de 1976, Correas se lança ao exílio e vai para o México. O advogado Correas a essa época era também estudante de filosofia, curso que não pôde concluir.

Ainda na Argentina, atuou como professor e, por suas posições marxistas, foi expulso da universidade, antes mesmo do golpe militar, em 1975. Nesse período, seu sócio, o advogado Alfredo Curutchet – “El Kuky”, foi assassinado pela “Alianza Anticomunista Argentina – Triple A”, que expressava a ascensão da ala de extrema direita do peronismo.

No México, continuou suas atividades docentes. Primeiramente, na Universidade Autônoma de Puebla (UAP); depois na Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM). Foi em Puebla que, ao mesmo tempo em que moveu esforços pela reforma universitária (1976-1991), começou a esboçar um dos mais importantes projetos do pensamento crítico da América Latina: a leitura marxista do direito, presente já no livro “Introdução à crítica do direito moderno (esboço)”, publicado, em primeira edição, no ano de 1982. Nesta obra, Correas escreve uma dedicatória que cala fundo na alma de um continente combalido pelo autoritarismo de ontem e de hoje: “ao inesquecível companheiro Kuky Curutchet. Ao Tino. Ao Cacho. E a todos os advogados que pagaram com sua vida, sua liberdade, o exílio ou o silêncio, a inflexível defesa dos direitos democráticos e da causa dos trabalhadores”.

A partir daí se erige uma das mais relevantes contribuições para o pensamento jurídico crítico da América Latina. Com mestrado em Puebla e doutorado na França, Correas constrói uma verdadeira escola latino-americana da “Crítica Jurídica” (nome, aliás, do periódico que recepcionou seu projeto teórico). Dezenas de livros foram por ele escritos e organizados, assim como várias articulações teórico-jurídicas a partir dele se desenvolveram. E não são poucos os discípulos do “Doctor Correas”, querendo continuá-lo ou superá-lo.

De minha parte, tive a oportunidade de conhecê-lo e escutá-lo algumas vezes. Polemista de mão cheia, suas argumentações no mínimo incomodavam. A meu modo de ver, ao lado de Jesús Antonio de la Torre, é Correas nome fundador – e fundamental – do debate paradigmático para a perspectiva crítica do direito na América Latina. O debate mexicano tem muito a nos ensinar com seu “direito como arma de libertação que nasce do povo” (De la Torre) ou com sua “forma normativa como crítica da ideologia jurídica” (Correas).

Cultor da crítica, a partir de uma postura filosófica, Óscar Correas legou vários ensinamentos, que alcançam da crítica à ideologia até a questão indígena, passando sempre pelo marxismo, ainda que, por vezes, heterodoxamente lido. Destaco ao menos mais duas destas lições: uma se refere ao papel do advogado popular, por exemplo, de presos políticos. Em entrevista de 2013 para Amarildo Figueroa, disse: “a advocacia é disputa pela vida, defesa dos prisioneiros, exigência ética com a qual o advogado cede parte de sua integridade, pois enfrenta o sistema político como defensor (presença corpórea), o que já implica um segundo momento: a exigência política, o porquê defendo tal caso e em que me apoio para defendê-lo (não só no marco normativo do direito)”.

E uma segunda, para finalizar, diz respeito a sua análise do neoliberalismo, mais contemporaneamente: “o que é neoliberalismo? É a mesma burguesia de sempre, mas ainda mais mesquinha. A burguesia está de volta, os cientificismos estão de volta. Igual a ontem, hoje é a mesma luta de classes, o mesmo campesinato de sempre, são os mesmos de sempre. Por isso hoje o marxismo está de volta, esse pensamento teórico que se faz agora necessário. Estamos de volta! É necessário reativar o pensamento revolucionário”.

Eis o simbolismo da partida de Óscar Correas: ele se vai, mas nós estamos de volta!

Óscar Correas, presente!

Ricardo Prestes Pazello é professor dos cursos de graduação e pós-graduação em direito da Universidade Federal do Paraná.

Edição: Lucas Botelho