Paraíba

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A quem serve a requalificação urbana das nossas cidades?

Artigo | Projetos urbanos devem atender à toda população para garantir cidades efetivamente democráticas

Brasil de Fato | João Pessoa (PB) |
Largo de Tambaú, intervenção na orla de João Pessoa não foi objeto de concurso, recebeu quase 3 milhões de reais e não previu participação.
Largo de Tambaú, intervenção na orla de João Pessoa não foi objeto de concurso, recebeu quase 3 milhões de reais e não previu participação. - Pedro Rossi

No último dia 12 de janeiro, a edição de domingo do jornal Correio da Paraíba trouxe uma importante reflexão a respeito de questões urbanas de nossas cidades. Para o autor do artigo “Requalificação da Orla”, o advogado Valério Bronzeado afirma que, com a chegada do verão, cada vez mais a demanda pelas áreas turísticas do litoral de João Pessoa aumenta e, com isso, um sinal de alerta se acende sobre a necessidade de “requalificar, redimensionar e ampliar” essa região. O conteúdo do artigo revela verdades importantes, especialmente no que diz respeito à manutenção dos espaços públicos e a promoção qualitativa de sua diversidade de uso. Contudo, cabe aqui questionar: como é executada e a quem serve essa lógica de reestruturação urbana?

A rigor, todas as mudanças decorrentes do natural processo de qualquer crescimento deveriam vir acompanhadas de adaptações, manutenções e requalificações de suas preexistências urbanas. No entanto, como em várias cidades do país, em João Pessoa, a Prefeitura Municipal (PMJP) parece desconhecer ou não priorizar o discurso por trás da necessidade de realização de suas obras, sejam elas as concluídas, as que estão em curso ou aquelas que, como Bronzeado expõe, precisam ser planejadas. Como contribuição à reflexão, cabe destacar o processo participativo da população, abnegado pela atual gestão da PMJP e ausente nos últimos e principais projetos urbanos de grande impacto no município: Parque da Lagoa, Parque Ecológico Sanhauá, Requalificação da Av. Epitácio Pessoa, Largo de Tambaú, entre outros.

Se a população não estiver representada junto ao poder público e não fizer parte do processo que envolve as tomadas de decisão sobre os projetos que irão interferir em suas vidas, toda e qualquer intervenção continuará servindo, além do crescente turismo predatório, ao benefício prioritário das altas classes sociais historicamente privilegiadas da nossa sociedade.

Durante quase um século e até hoje, arquitetos, urbanistas, engenheiros, geógrafos, historiadores, antropólogos, sociólogos e uma boa parte de estudiosos e pesquisadores de diversas áreas vem buscando equacionar o problema do esvaziamento das áreas centrais em detrimento da expansão urbana. A precarização da moradia no Centro Histórico de João Pessoa, por exemplo, está ligada diretamente à esse fenômeno. Porém, como não atinge diretamente à pequena parcela dos detentores da maior fatia do capital que circula na cidade - que em sua maioria mora na praia - pouca ou nenhuma política pública foi executada de modo a inverter a lógica de produção do espaço urbano daquelas áreas marginalizadas ou das novas periferias, que pelo tempo de consolidação já constituem outras centralidades.

A reestruturação do corredor que compreende as praias urbanas da capital paraibana, ou de qualquer outra área dita “nobre” da cidade, não pode estar, sob hipótese alguma, dissociada do pensamento de que toda a população tem o direito de usufruir daquele espaço. É fundamental garantir a democratização e o acesso universal, em especial quando se tratam de obras estruturantes, com altíssimo valor de investimento público.

O texto publicado no Correio da Paraíba é cirúrgico ao lembrar da estratégia de concurso público de projeto como resposta para muitas intervenções urbanas. Concursos são formas legítimas de licitação e seu caráter amplo possibilita a participação de olhares profissionais técnicos menos míopes sobre a cidade, oferecendo ao poder público uma gama de soluções qualitativas para projetos complexos de grande impacto. No entanto, para além disso, não há como vislumbrar a tão necessária democratização do espaço urbano requalificado sem pensar em um plano que incentiva o acesso da população. De toda ela.

Em um país em que atualmente e pela primeira vez na história o custo com o transporte público está mais caro do que garantir comida na mesa, quem mora em bairros periféricos e distantes da praia, um dos lugares mais democráticos por natureza, dificilmente prioriza um passeio de fim de tarde com a sua família na orla de nossas cidades. Soma-se à isso a limitação de mobilidade urbana em função da redução do serviço de ônibus em determinados momentos. Em horários alternativos ao do regime de trabalho, isto é, a partir de um certo horário e principalmente nos finais de semana, a população que depende desse sistema - como diria o geógrafo e grande intelectual brasileiro Milton Santos - se “exila nas periferias”, acentuando gradativamente um dos maiores problemas de nossas cidades atualmente: a segregação sócio-territorial.

*Pedro Rossi é arquiteto e urbanista, Conselheiro Superior do Instituto de Arquitetos do Brasil, coordenador do curso de arquitetura e urbanismo do UNIESP Centro Universitário e articulador do Núcleo PB do projeto BR Cidades.

Edição: Heloisa de Sousa