Paraíba

ARTIGO

Universidade pública, democrática e gratuita: Frature-se, Fragmente-se e Dane-se

Será a Universidade, que sempre nos deu régua e compasso, que apontará o nosso caminho no processo de resistência e luta

Brasil de Fato | João Pessoa - PB |
Assembleia no Centro de Vivências da UFPB
Assembleia no Centro de Vivências da UFPB - Ascom Aduf

O título do artigo expõe compromissos diametralmente opostos.  O primeiro enunciado, reafirma a histórica luta de professores, técnico-administrativos e estudantes em defesa da universidade pública, manifestada nas Assembleias Universitárias, que foram realizadas em João Pessoa, Areia, Bananeiras e Rio Tinto e presididas pela Reitora da UFPB, com a participação da ADUFPB-JP, SINTESPB e representação estudantil. O segundo, revela o pensamento privatista do governo, que pretende, com o FUTURE-SE, impor o mais duro golpe desferido às universidades brasileiras, desde a ditadura militar.
Nessa perspectiva, de um lado, há a resistência pela manutenção dos serviços de qualidade elevada que são ofertados à população paraibana através do ensino, pesquisa, extensão, inovação tecnológica, internacionalização, atendimento médico hospitalar, arte e cultura. Em posição contrária, ocorre a ação de um governo que visa desconstruir a autonomia universitária, impedir a expansão do ensino, introduzir a lógica do mercado como indutora dos resultados das nossas pesquisas e excluir a extensão como atividade de relevo no diálogo com a sociedade. Igualmente danosa à universidade e seus fins, existe, ainda, a proposta de retirada da exclusividade do SUS no atendimento feito pelos Hospitais Universitários, que passariam a aceitar convênios de planos privados de assistência à saúde.  
Na verdade, o que o governo quer é se desobrigar do financiamento do ensino superior, que é dever Constitucional. O contingenciamento de 45 milhões do orçamento de 2019 da UFPB, ratifica essa afirmação. Por outro lado, a intervenção pretendida com a reforma revela um governo que não aceita livremente o pensamento, detesta o saber libertário.
Todavia, mesmo com a asfixia imposta, fazemos, e bem, Gestão, Governança e Empreendedorismo. Os resultados alcançados na Pesquisa e Inovação nos orgulham. A Internacionalização é marca nesse Reitorado. Ou seja, tudo que o governo propõe já fazemos. 
A comprovação disso aparece nos documentos UFPB em Números 2012/2018 e Avanços, Desafios e Perspectivas 2019, apresentados à sociedade paraibana e em audiências públicas na Assembleia Legislativa e na Câmara Municipal.
Então, o que falta é o governo fazer o que dele é dever. Nesse sentido, a UFPB precisa reafirmar: tire suas mãos de mim! Devolva o que nos deve! Precisamos continuar a produzir com a excelência que advém da força criadora de docentes, discentes e técnico-administrativos!
No tocante ao ente Organização Social, proposto pelo governo no FUTURE-SE para gerir as universidades, é uma afronta à inteligência universitária. Além de ameaçar a estabilidade de professores e técnico-administrativos, colide com os princípios da autonomia universitária, democratização do ensino, liberdade de cátedra e produção científica. Ademais, pode ferir de morte um princípio fundamental defendido por todos nós - a indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão.
Portanto, a consulta pública sugerida é um engodo para legitimar o que nos agride. Não se deve fazer remendo em pano roto. Qualquer sugestão servirá de reforço ao que não nos serve. Assim, devemos dizer com todas as forças do nosso corpo e da nossa alma: não à CONSULTA PÚBLICA e ao FUTURE-SE! Não à PRIVATIZAÇÃO!
Essa firmeza de posição é imprescindível diante de um projeto de lei elaborado com base num modelo neoliberal de reorganização do estado brasileiro e articulado com questões mais amplas de geopolítica. 
Nesse contexto, dois eixos norteiam as ações do governo. Um, que impõe o estado mínimo e a submissão tecnológica e econômica, ditada pelo neocolonialismo aos países periféricos. Outro, representa uma pauta que avança celeremente na transição para um regime político bonapartista, opressor, antidemocrático.
No âmbito dessa conjuntura, se não houver mobilização nas ruas, após ser erodido o Estado Democrático de Direito, virá o Estado de Exceção, depois, o Estado Policial, e, finalmente, a Ditadura. E isto, pontualmente, já vem ocorrendo. 
A Constituição vem sendo rasgada. Vigora a inversão de valores e princípios. Aprofunda-se a exploração da esmagadora maioria da população. A riqueza nacional é sugada pela usura insaciável de uma minoria entreguista em conluio transnacional com financistas, rentistas e banqueiros, insensíveis às desigualdades gritantes, que flagelam o povo brasileiro. Assim, a brutal e obscena concentração de renda que condena à exclusão expressivo contingente de crianças, jovens e adultos de todas as idades, gera a infelicidade da nação.
É nesse contexto que nasce o FUTURE-SE, filho da Emenda Constitucional 95, que limita por 20 anos os gastos públicos. O ato marca uma mudança de orientação no papel do Estado, que deixa de promover o bem-estar social, ao reduzir o investimento em segurança, infraestrutura saúde e educação.  Ou seja, os avanços conquistados em duas décadas no país, em decorrência da EC 95, retrocederão em igual período no tocante à consolidação dos direitos sociais e trabalhistas.
Sob essa ótica, todas as conquistas sociais e trabalhistas, garantidas na Constituição de 1988, fruto de lutas históricas, têm de ser retiradas. A supressão de direitos, prevista na proposta de Reforma da Previdência, condena as pessoas a morrerem por velhice, antes da aposentadoria. Agora, aprovada em segundo turno na Câmara Federal, custou 3bi em Emendas parlamentares. Destes, quase um 1bi que estava congelado foi perdido pela educação. Esses recursos, como projeto de Lei serão remanejados para outras áreas. Por outro lado, antes, com a Reforma Trabalhista, feita para destruir o legado protetivo que permeava a Consolidação das Leis do Trabalho, vimos prevalecer a injusta maximização da margem de lucro. 
Nessa toada, aprova-se a terceirização, que submete à informalidade trabalhadores, sem carteira assinada, com trabalho intermitente, aprofundando a precarização de suas vidas. São quase 30 milhões que ampliam um tecido social esgarçado, formando uma sociedade fragmentada e individualista, na qual o espírito de solidariedade fenece, engolfado por uma brutal regressão social, como pinguela para o precipício.
A inteligência universitária sabe que essa política nefasta traz prejuízos para todos. Quem ora, em qualquer igreja ou templo, contrito, pedindo a Deus pela paz no mundo e proteção para a família, sendo conivente ou omisso com essa situação, não pode dormir tranquilo, pois corre o risco de ser assaltado na terra e, depois, quando morrer, ir para o inferno.  A felicidade não deve ser para poucos. Todos devemos ser tocados pela aura benfazeja que ela produz.  Sem distribuição de renda e democracia, prevalece a barbárie. Sem o conhecimento, restam a estagnação, o subdesenvolvimento e a dependência, que impedem o protagonismo e o exercício da cidadania. 
Desse modo, está escancarada a relação de causa e efeito. No caso das Universidades, um conjunto de ações adotadas pelo governo tem impactado negativamente as condições de vida dos docentes, técnico-administrativos e estudantes, prejudicando o desenvolvimento do trabalho realizado na instituição, cujos desdobramentos impõem prejuízos à população e ao país.
Um agrupamento de atos, composto por Leis, Decretos, Medidas Provisórias e Portarias, que se complementam de forma articulada, vem sendo editado com o objetivo de diminuir a nossa capacidade de produzir conhecimento e oferecer serviços de qualidade elevada à população. O agregado implica menos alunos, professores e técnico-administrativos, mais cortes de recursos para custeio e investimento, drástica diminuição do número de bolsas acadêmicas e menos assistência aos estudantes. A redução de salários, precarização das carreiras e das aposentadorias virão como contrapeso e punição aos professores e técnico-administrativos. 
Esse feixe de medidas atinge duramente o ensino, a pesquisa e a extensão, travando o avanço da ciência, tecnologia e inovação. Impede que seja consolidado o processo de internacionalização e inclusão, imprescindível para o exercício do protagonismo geopolítico internacional do nosso país. Esse papel só se estabelece através do conhecimento, por meio do qual podemos construir um caminho seguro capaz de garantir o desenvolvimento de um projeto de nação soberana.
Assim, não há como se abafar a estridente eloquência dos fatos. As ações são sistêmicas. Obedecem a uma inteligência. Têm comando e objetivo. Vêm desfigurando, gradualmente, as universidades, sem que a comunidade universitária e a sociedade percebam completamente ou reajam à altura. A situação é gravíssima. Ainda bem que aflora em nós o sentimento de identidade e pertencimento. Não fosse isto, a universidade seria desmontada de fora para dentro, através dessas ações, e de dentro para fora, pela nossa inércia e fragmentação.
As universidades públicas produzem quase todo conhecimento científico do Brasil. Por esta razão, estamos convencidos de que toda nossa competência intelectual acumulada deve servir para esclarecer a população e conclamá-la a defender a universidade brasileira, através de um amplo arco de aliança com parlamentares e entidades representativas dos segmentos universitários.
Assim, diante dos desafios e perspectivas postas, o caminho a ser seguido deve ser o da unidade e coesão como forma de reforço ao enfrentamento e resistência de docentes, discentes e técnico-administrativos em defesa da UFPB e da educação pública superior no nosso país. Temos a certeza de que só desse jeito a universidade terá chance de continuar viva, inclusiva, democrática, gratuita e socialmente comprometida, exercendo plenamente o seu papel. 
Esses são os motivos pelos quais tomamos em nossas mãos essa bandeira e a defendemos nos fóruns institucionais dos quais participamos. A Reitora e Vice, na ANDIFES. Os Pró-Reitores e demais componentes da equipe, respeitadas fraternalmente diferenças pontuais, nos espaços específicos onde atuam. Além disso, todos seguem o mesmo caminho onde quer que estejam, honrando a trajetória de compromisso com a Instituição, tendo como pontos fortes a nos unir a identidade e o alinhamento com o projeto de gestão em curso e universidade que queremos, calcado em princípios e valores universais que tornem o país mais generoso. 
Dessa forma, portanto, não deve haver espaço vazio deixado por nós. Nesse embate, a Reitora, eleita por unanimidade presidente da Rede Nordeste da ANDIFES, composta por 18 universidades, terá um papel fundamental junto aos 63 Reitores das demais instituições de ensino superior. E, no âmbito interno, saberá unificar uma pauta que traduza o cronograma de eventos das entidades representativas dos segmentos e culmine num plebiscito sobre o FUTURE-SE. Será a Universidade, que sempre nos deu régua e compasso, que apontará o nosso caminho no processo de resistência e luta. 
E será ela, que indignada, olhando nos olhos de cada um de nós, dirá: 
“Ora, tenha graça! Não chegamos até aqui para aceitar isso! Não podemos deixar que destruam quem nos liberta - a democracia e o conhecimento. Avante! ”. 
É inexorável. Quem defende a Universidade pública, autônoma, democrática e gratuita vai atender a esse chamado.
*Chico Ramalho - Pró-Reitor de Gestão de Pessoas

Edição: Cida Alves