Paraíba

ARTIGO

Em briga de marido e mulher, se mete a colher!

13 anos da lei Maria da Penha

Brasil de Fato | João Pessoa |
"Nosso caminho rumo à igualdade efetiva de direitos ainda deverá passar por muita luta, por vitórias e fracassos."
"Nosso caminho rumo à igualdade efetiva de direitos ainda deverá passar por muita luta, por vitórias e fracassos." - Card divulgação

Sancionada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 7 de agosto de 2006, a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) entrou em vigor no dia 22 de setembro do mesmo ano. Este é, portanto, seu 13º aniversário, mas parece que não é sorrindo que devemos lembrá-lo. 
De fundamental importância para a proteção da vida das brasileiras, a Lei Maria da Penha permitiu que fossem denunciados vários tipos de violência contra as mulheres e tornou mais rigorosas as punições para agressões em âmbito doméstico e familiar. Com efeito, estas são as mais letais: mais de 80% dos assassinatos de mulheres são cometidos por parceiros/ex-parceiros ou familiares, conforme mostra o “Mapa da Violência 2015: Homicídio de mulheres no Brasil” elaborado pela ONU Mulheres . A Lei previu também a criação de juizados e varas especializadas, trazendo consigo a alteração do Código Penal, que passou a permitir que agressores sejam presos em flagrante ou tenham a prisão preventiva decretada.
Como se sabe, a Lei homenageia Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de violência doméstica durante mais de vinte anos de casamento. Em 1983, ela sofreu duas tentativas de homicídio por parte de seu ex-marido, o colombiano Marco Antonio Heredia Viveros: primeiro, ele tentou matá-la com um tiro, numa simulação de assalto enquanto ela dormia; em seguida, tentou eletrocutá-la durante o banho. A vítima, que se tornou paraplégica devido às violências sofridas, só viu o agressor ser condenado 19 anos mais tarde, em 2002, seis meses antes da prescrição do crime. Hoje com 73 anos, essa mulher de coragem extrema coordena a Associação de Estudos, Pesquisas e Publicações da Associação de Parentes e Amigos de Vítimas de Violência (APAVV), no Ceará. Sua história, no entanto, continua sendo vivida cruelmente por milhares de brasileiras todos os anos. 
Nosso país ocupa o quinto lugar no ranking dos países com maior taxa de violência contra as mulheres. Conforme o Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ/CNJ), tramitam hoje mais de um milhão de processos relativos a esse tema. Um estudo divulgado pelo Escritório das Nações Unidas para Crime e Drogas (UNODC) em novembro de 2018 mostrou que a taxa de feminicídio no mundo foi de 2,3 mortes para cada 100 mil mulheres em 2017. No Brasil, segundo da Organização Mundial da Saúde (OMS), essa taxa anual média é de 4,8 para cada grupo de 100 mil mulheres, ou seja, mais que o dobro da média global.  Os estudos mostram também que a maior parte das vítimas é negra. Nenhuma surpresa nesse dado que apenas estampa duramente o que já é sabido por todas: a tragicidade do acúmulo das desigualdades de gênero, raça e classe que ainda assolada nossa sociedade.
Considerada pelo Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas como uma das três legislações mais avançadas do mundo, entre os 90 países que tem legislação relativa à proteção da mulher, ainda há, contudo, muito a ser feito para garantir a todas as brasileiras a efetividade da Lei Maria da Penha. 
Por exemplo, para acioná-la, toda mulher vítima de agressão deve fazer sua denúncia pelo número 180 ou ir pessoalmente a uma Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM). Contudo, há hoje no país menos de 400 delas em funcionamento, distribuídas por apenas 7,9% dos municípios brasileiros , dos quais um terço está localizado no Estado de São Paulo . Além disso, um número expressivo de mulheres termina por preferir não recorrer à autoridade policial por medo, vergonha e/ou por não acreditar na eficácia de sua denúncia, já que sentem diariamente a resistência do poder público em reconhecer e punir os homens como autores de variadas formas de violência.
Legitimada teoricamente pela ciência política moderna (elaborada tradicionalmente por homens segundo seus interesses), a não intervenção do Estado na vida doméstica cumpriu historicamente o papel de salvaguardar a violência inerente à dominação masculina e mantê-la longe dos tribunais. A promulgação da Lei Maria da Penha, assim como da Lei do Feminicídio (Lei 13,104/2015), foi um importante passo para a desconstrução desse paradigma, e denota um processo de absorção, por parte do Estado brasileiro, de demandas feministas no que diz respeito a políticas nacionais para o enfrentamento da violência doméstica. 
Ainda que esse processo esteja agora ameaçado pela atual presidência (cujos aliados ocupando postos de poder são, em sua esmagadora maioria, homens brancos, racistas, misóginos e heteronormativistas), as organizações de mulheres não cessam de crescer quantitativa e qualitativamente por todo o país, e pressão que exercem para a obtenção e garantia de seus direitos não dá indício de arrefecimento diante das investidas do autoritarismo.
Nosso caminho rumo à igualdade efetiva de direitos ainda deverá passar por muita luta, por vitórias e fracassos. Mas, em meio à árdua batalha política cotidiana, não devemos esquecer que, no final, a obtenção de direitos é necessária para que um dia não precisemos mais deles. 
É pela vida das mulheres! Juntas somos mais fortes!

*Maria Teresa Mhereb é feminista e tradutora. Co-organizadora e tradutora do livro “68 – como incendiar um país” (São Paulo: Veneta, 2018), sobre o levante de maio e junho de 1968 na França.

[2] Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres – ONU Mulheres. O documento está disponível em: <www.mapadaviolencia.org.br>.
[3] ONU, 2016. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/onu-feminicidio-brasil-quinto-maior-mundo-diretrizes-nacionais-buscam-solucao/>.
[4] JusBrasil, 2010. Disponível em: <https://ibdfam.jusbrasil.com.br/noticias/2110644/para-onu-lei-maria-da-penha-e-uma-das-mais-avancadas-do-mundo>.

[5] IBGE, 2018. Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/20232-estatisticas-de-genero-responsabilidade-por-afazeres-afeta-insercao-das-mulheres-no-mercado-de-trabalho>.
[6] Governo do Estado de São Paulo, 2018. Disponível em: <http://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/ultimas-noticias/sao-paulo-tem-36-das-delegacias-de-defesa-da-mulher-no-brasil/>.

Edição: Cida Alves