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Artigo | João Pessoa no buraco do planejamento urbano

"Os transtornos causados aterrorizaram boa parte da população, que ficou ilhada em suas casas"

Brasil de Fato | João Pessoa (PB) |
João Pessoa teve o maior volume de chuvas dos últimos 30 anos
João Pessoa teve o maior volume de chuvas dos últimos 30 anos - Arquivo Pessoal

Nesta semana foi registrado o maior volume concentrado de chuvas dos últimos 30 anos da capital paraibana. Os dados são da Coordenação da Defesa Civil da Prefeitura Municipal de João Pessoa. Os transtornos causados em função disso paralisaram a circulação de transporte público, congestionaram as principais avenidas da cidade, suspenderam atividades escolares da rede de ensino e aterrorizaram boa parte da população, que ficou ilhada em suas casas - alguns no conforto do lar, outros, porém, debaixo de água.

Fenômenos meteorológicos fora da curva podem acontecer. É natural, especialmente em situações as quais são vivenciadas, com frequência, no mundo atual. A ausência de políticas globais contundentes a favor da proteção do meio ambiente, acentuam os drásticos cambios climáticos. Essas mudanças favorecem o destempero climático. Contudo, a escala da catástrofe nas cidades é proporcional ao tamanho da tragédia anunciada. Anunciada, pois há mecanismos técnicos em agências especializadas do governo que possibilitam a previsão desses fenômenos e que se colocam como fortes aliados na prevenção de danos.

Seria possível as cidades se prepararem, contudo, se existisse uma apropriada infraestrutura urbana. João Pessoa, assim como muitas cidades do país, possui agudas debilidades em seus sistemas de urbanização. Basicamente, são fragilidades relacionadas à antiga e ineficiente rede de saneamento bem como ao histórico descaso com o meio ambiente. Ainda, falhas na regulamentação urbana, como a má definição do uso e ocupação do solo - que orienta o adensamento e os tipos de atividades possíveis a serem exploradas na cidade - agravam a situação. 

Isto significa dizer que, o resultado do cenário que se descortina anualmente em períodos de chuva, nada mais é do que fruto de um largo período de falta de políticas públicas expressivas e integradas entre si e que deveriam ser empregadas na definição dos vetores municipais em direção de um planejamento urbano sustentável. Portanto, tratam-se de questões que incluem habitação, provimento de moradia e assentamento humano digno; mobilidade urbana e diversificação de modais de transporte; manejo de resíduos sólidos e tratamento da coleta de lixo; saneamento básico, esgotamento sanitário e drenagem de águas pluviais; proteção do meio ambiente, entre outros.

As consequências são aquelas veiculadas pela imprensa e que desencadeiam sofrimento na população desassistida, assentada em áreas de vulnerabilidade: alagamentos de ruas, inundação de moradias, assoreamento de barreiras e encostas, interrupção do serviço de energia, além dos congestionamentos e acidentes de trânsito, esses últimos, colapsando praticamente toda a cidade.

Em que pese todo o incentivo público para melhorias urbanas, as que dão retorno satisfatório se limitam a experiências pontuais e inexpressivas frente a um programa eficiente e completo de prevenção de catástrofes. A exemplo disso, tem-se a manutenção das praças de bairro, a jardinagem de canteiros em vias públicas, o calçamento e a canalização superficial de ruas, entre outros. Habitualmente, se resumem a ações visíveis e de caráter estético, algumas, inclusive, assumem contornos higienistas e de embelezamento.

Porém, é a arcaica política pública macro de se fazer cidade, que inclui o alargamento de artérias com asfaltamento do solo e o desmatamento de grandes superfícies de área verde em prol de complexos imobiliários, que subverte de maneira perversa a lógica racional do planejamento urbano. Para além do exposto, pode-se dizer que, não é bem a ausência do Estado, mas a presença do Estado, cuja trajetória histórica de equivocados investimentos de urbanização acentuam os desdobramentos dessas tragédias. Dias de intensas chuvas são a prova de que João Pessoa ignora o desenvolvimento e a implementação de grandes planos urbanos e vive o mito da “cidade sustentável”.

O poder público municipal precisa, em definitivo, inverter a lógica atual de produção da cidade-mercadoria. Deve-se, portanto, priorizar a manutenção/modernização de suas infraestruturas urbanas e pautar o planejamento urbano participativo/combativo frente às injustiças socioambientais como única solução possível para as cidades. Do contrário, se nada for feito para que a situação seja contornada, novas tragédias virão e urbanistas, geógrafos, ambientalistas e todas as categorias de pesquisadores voltarão a alertar sobre o problema, não somente meteorológico, porém de (falta de) planejamento e vontade política.

*Pedro Rossi é arquiteto e urbanista, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil na Paraíba, coordenador do curso de arquitetura e urbanismo do IESP e articulador do Núcleo PB do projeto BR Cidades.

Edição: Heloisa de Sousa