Paraíba

PATRIARCADO

Bolsonaro e o insustentável mito do redentor macho político

Eleito como homem forte, o presidente que temos visto em cinco meses é tímido, desajustado, inconstante e fútil

Brasil de Fato | João Pessoa (PB) |
BOLSONARO PUXA CORO DE "IMBROCHÁVEL" EM 7 DE SETEMBRO - CAPTURA DE TELA - YOUTUBE

Em 1949 a filósofa existencialista francesa Simone de Beauvoir publicava o livro ‘O segundo sexo’, livro que contestaria a forma ocidental de pensar a maneira como homens e mulheres coexistem em sociedade. Com a introdução já icônica ao segundo volume, Beauvoir esclarecia que “nenhum destino biológico, psíquico ou econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado, que qualificam de feminino”.

A partir de suas formulações, as concepções sobre a construção social da masculinidade e feminilidade puderam ser mais bem analisadas. A filósofa investiga e desmente muitos dos fatos e mitos sociais que sustentam a ideia de que mulheres sejam essencialmente delicadas, irracionais, emotivas, frágeis e maternais, e o oposto disso, o homem: forte, racional, seguro, equilibrado. Seu método serviu de apoio para o desenvolvimento das ciências sociais feministas, que historicamente tem oferecido respostas altamente qualificadas sobre como o sistema patriarcal de gênero tem sido determinante na distribuição de poder na sociedade.

Uma das formas mais explícitas da distribuição gendrada de poder em nossa sociedade é o sistema e a cultura política tradicional. Apesar de serem a maioria da população, as mulheres historicamente tem sofrido com a falta de representação política efetiva em espaços institucionais. Para ilustrar este fato podemos pensar a atual formação do nosso congresso nacional: em 2018, foram eleitas apenas 78 mulheres para a Câmara dos Deputados (15%), e para o senado o Brasil elegeu apenas 12 representantes (14,8%), uma a menos que na legislatura anterior.

Esta sub representatividade é fruto também da forma como a violência simbólica tem sido uma maneira de fazer política por parte dos homens, que ancorados em estereótipos patriarcais, perpetuam a imagem das mulheres que atuam em esfera pública e em espaços institucionais da política tradicionais como sendo loucas, descontroladas fracas e irracionais. Exemplo claro disso foi toda a sorte de insultos e violências que a nossa ex-presidenta Dilma Rousseff teve que enfrentar nos anos que esteve no poder: apologia ao seu estupro, insinuações sórdidas sobre sua sexualidade, capas de revistas forjando imagem de descontrole da presidenta, etc. 

Uma outra estratégia do poder patriarcal é reivindicar a masculinização de espaços políticos sempre que o país está enfrentando crises de naturezas diversas. Neste sentido, podemos pensar a eleição do nosso atual presidente da república, Jair Bolsonaro. O militar aposentado foi eleito baseado em premissas que clamavam, “mão forte”, “punho de aço”, “força bruta”, “disposição para acabar com a farra” e, principalmente, se falava em por ordem na casa, não podemos esquecer que esta mesma casa teria sido confiada (pela primeira vez em sua história) aos cuidados de uma mulher, e como realçou o vice presidente da república, também militar: casa sem presença masculina é oficina de desajustes.

No entanto, o que temos visto em cinco meses de governo Bolsonaro, em muito tem deixado a desejar para parte da população e suas reinvindicações viris. O Bolsonaro tímido, desajustado, inconstante, fútil, que segundo suas próprias palavras não nasceu para ser presidente, não tem conseguido sustentar o papel que lhe foi pedido para desempenhar e o Brasil segue órfão de um grande pai. 

Isto é facilmente verificável, entre outras coisas, nas constantes mudanças de opinião e direcionamentos do governo, que, se a principio soaram como uma estratégica  cortina de fumaça para empurrar goela abaixo do povo suas medidas mais espúrias, hoje se revelam, indiscutivelmente, como simples inabilidade política da maneira obscena. O reizinho e sua corte de principezinhos milicianos, corruptos e acéfalos, estão nus das armaduras que outrora a irrelevância política lhes vestiam. Como alertou Janaina Paschoal, deputada estadual (PSL-SP), mesmo partido do presidente: “Bolsonaro perceberá que terá que parar de fazer drama para trabalhar!".

O presidente que é incapaz de oferecer uma resposta minimamente diplomática ao anseio de milhões de estudantes que vão às ruas defender o seu direito de ter educação pública de qualidade, e diz, diretamente dos EUA, que maioria dos alunos não sabe nem a regra de três e os chama de “idiotas úteis” e “massa de manobra”. É o mesmo presidente que constrange o seu país aos olhos do mundo “se convidando” para reuniões com ex-líderes norte-americanos e sendo desconvidado para participar de homenagens no mesmo país, arauto do capitalismo contemporâneo, eleito por seus apoiadores como modelo exemplar de sociabilidade. A atitude de Bolsonaro diante da crise de seu governo tem sido catastrófica sob muitas perspectivas.

Assim sendo, a figura do Bolsonaro em entrevista para a revista Veja sob o tom de risível desequilíbrio, que alega ter passado os cinco meses do seu governo em noites sem dormir, e ter “chorado pra caramba” com o peso de suas angústias, é uma peripécia trágica do jogo político, quando comparada com a expressão firme e o ar de dignidade que a ex-presidenta Dilma ostentou durante a investigação viciada e as consecutivas violências (muitas vezes decorrentes do seu gênero) que resultou em seu impeachment. 
    Podemos atestar do fracasso de Bolsonaro na presidência da República que precisamos de muito mais que uma fantasia ultrapassada de masculinidade para garantir a eficiência de um governo. Precisamos, ao invés disso,  de estratégias eficientes e criativas, que levem ao centro de nossa política homens e mulheres verdadeiramente compromissadas/os com a soberania da nossa nação e o futuro das novas gerações. 

*Maria Medeiros, graduanda em Letras- UFPB

Edição: Maria Franco